Berlindes no bolso
Bilas, guelas, bugalhos, charrocos, piroscas, piruguinhas, vacas, mocas, bufas... Há tantas designações para os berlindes que bem poderíamos preencher esta página recorrendo apenas aos muitos regionalismos do glossário «berlindesco». Bom sinal, quando um brinquedo é assim apropriado pelas crianças, que logo inventam mil e uma maneiras de lhe chamar seu. Pela multiplicação dos nomes se confirma também a importância do jogo do berlinde, já presente entre os antigos egípcios, gregos e romanos. Inicialmente feitos de pedra ou osso, aperfeiçoaram-se pelas artes do fogo, pelos processos de alquimia do vidro. Opacos, transparentes, brilhantes, sarapintados, multicolores, ainda hoje são um objecto perfeito, como perfeitas são as formas redondas, de todas as mais apelativas ao toque. Símbolo da confluência dos quatro elementos no mesmo corpo, os berlindes nascem no fogo, mas parecem conter água no seu interior; e se o seu movimento é rápido, aéreo, mercuriano, o peso e a solidez conferem-lhes as qualidades da terra que tudo materializa. São, por isso, pequenos tesouros de guardar no bolso, cujo chocalhar lembra as arcas de moedas de ouro do nosso imaginário infantil, os saques escondidos dos piratas dos mares do Sul. Não passou assim tanto tempo desde que um saco de pano cheio de berlindes representava um bem precioso que uma criança tinha de saber administrar, conferindo diariamente os ganhos e as perdas. Numa época em que os brinquedos são substituídos sem chegarem a pertencer, também essa noção de responsabilidade pessoal se perdeu de vista. Sorte de quem teve campo ou recreio para jogar ao berlinde, pois teve aí a sua primeira lição de Economia.