O primeiro clube de Carlos Lopes tem um sonho leonino
Se é para falar do Lusitano, tem ali o Carlos Lopes", dizem-nos num café da localidade de Vildemoinhos, em São Salvador, junto ao centro histórico de Viseu. "O Carlos Lopes, Carlos Lopes?", questionamos. "Não, o outro. Este é primo do campeão olímpico." Da mesa, o homem, de estatura média e cabelo grisalho, acena com a cabeça. "O pai dele é que era meu primo direito", corrige. Este Carlos Lopes, de 74 anos, também correu, mas desistiu ao fim de pouco tempo. Virou-se para o futebol, enquanto viu o primo projetar o nome da aldeia além-fronteiras. Atualmente, é vogal do Lusitano de Vildemoinhos, equipa da Série B do Campeonato de Portugal, que defronta o Sporting no sábado, para a 4.ª eliminatória da Taça de Portugal.
Tal como o primo campeão olímpico, que foi recrutado pelo Sporting ao Lusitano, Carlos Lopes também tem o leão no coração. "Mas vou torcer pelo Vildemoinhos. O Sporting é favorito, mas o Lusitano vai dar luta", diz ao DN. Por cá, na terra da famosa broa de milho, dos moinhos e das cavalhadas, dizem-nos que o Sporting é o grande com mais adeptos.
Presidente do emblema de Viseu, António Loureiro não esconde que o Sporting é o seu "segundo clube", mas vai estar "com o coração a 200% com o Lusitano". "As probabilidades são diminutas, mas às vezes há casos insólitos no futebol. Vamos tentar ser um deles. Quero que os jogadores do Sporting estejam num dia mau e que os meus estejam acima das expectativas. Que seja a concretização de um sonho sobre outro sonho", afirma. O primeiro, que há nove anos "seria impossível de imaginar", aconteceu quando o clube eliminou o Nacional da Taça, no dia 21 de outubro.
Em Vildemoinhos, há uma equipa de amadores à espera dos leões: estudantes universitários, operários fabris, um vendedor de carros, um contabilista, um personal trainer, alguns desempregados. Ofícios que deixam fora das quatro linhas. Lá dentro, são conhecidos como os Gladiadores da Beira Alta. "A qualidade do Sporting pode ser superior, mas a garra e a vontade dos nossos jogadores podem suplantar isso", sublinha António Loureiro, que chegou ao clube há nove anos, quando este se encontrava na II Divisão distrital.
Nos últimos anos, o Lusitano cresceu com "muito trabalho, espírito de sacrifício e gestão rigorosa. Fazendo muito com pouco". Nas últimas cinco épocas, destaca, foram a única equipa do Campeonato de Portugal a ir três vezes ao playoff de subida. "Crescemos passo a passo", refere o presidente.
Frente ao Sporting, que até tem um acordo de cooperação com o clube na formação, os trambelos (nome dado aos moradores de Vildemoinhos) querem ser grandes. "Sabemos que eles são profissionais, trabalham mais do que nós. Mas temos a mesma vontade ou ainda mais de passar a eliminatória. Somos uma equipa que nunca desiste", diz Edgar Lopes, de 19 anos, que joga no Lusitano desde os quatro. Já foi aliciado por outros clubes da região, mas recusou sempre: "Para jogar em Viseu, será sempre aqui."
Este é o primeiro jogo do Lusitano, clube com 102 anos, frente a um grande. Um encontro que todos assumem como sendo "histórico, especial". "Antes do jogo, vamos ter uma partida para o campeonato, mas é difícil os jogadores abstraírem-se a 100%. Até porque há sempre pessoas que nos abordam na rua para falar sobre o jogo, pedir bilhetes", conta o capitão, Calico, que está há cinco temporadas em Viseu. "Para os mais novos, pode ser uma montra, enquanto para os mais velhos pode ser a última oportunidade da carreira. É um jogo único", diz o defesa, de 30 anos.
A receção ao Sporting, que acontecerá no estádio do Fontelo, está a ser preparada como qualquer outro jogo: quatro treinos por semana, depois de um dia de trabalho. "Isso traz-nos algumas dificuldades, porque temos de meter todas as componentes de treino em quatro sessões", reconhece Rogério Sousa, o treinador, que preferia jogar no estádio dos Trambelos, um equipamento construído pelas mãos (e com o dinheiro) das gentes da terra. "Mas a lotação seria de um terço, o que seria incomportável do ponto de vista financeiro."
Ninguém está a contar com uma partida fácil. "Estou à espera de um jogo bastante complicado, de um Sporting muito forte com a mudança de treinador. E estamos no escuro, porque não conhecemos as novas dinâmicas do plantel", diz o técnico. Não há, no entanto, uma pressão acrescida. "Há, essencialmente, entusiasmo dos jogadores e dos adeptos."
Sobre o campeão olímpico Carlos Lopes, o treinador diz que "aparece por vezes para ver os jogos e até vai ao balneário falar com os jogadores". Um homem que "dá visibilidade" ao clube e que, ao que o DN soube, está a preparar um projeto com os trambelos na área do atletismo. "Por agora, é simpatizante, mas a ligação pode tornar-se mais estreita", assume António Loureiro.
Pelas contas do presidente do Lusitano, "o Sporting não visita Viseu em jogos oficiais há 20 anos", e "a última vez que veio um grande à cidade foi há 17". Por isso, frisa, "este é também um dos jogos mais importantes dos últimos anos na cidade de Viseu".
A partida vai disputar-se no Estádio do Fontelo, onde habitualmente joga o Académico de Viseu, equipa da II Liga. Embora tenha relva natural, o Estádio dos Trambelos apresenta alguns constrangimentos ao nível da lotação, iluminação e condições para a imprensa, o que levou os dirigentes a optar por outro estádio.
António Loureiro não esconde, no entanto, que o ideal era a equipa jogar em casa. "Se jogássemos aqui, as poucas probabilidades que temos de ganhar aumentavam. Tínhamos o fator casa, num campo mítico, com os adeptos mesmo em cima das equipas", justificou.
O Lusitano de Vildemoinhos é, segundo o presidente, o emblema do distrito que tem mais equipas em campeonatos nacionais, contando, atualmente, com 204 atletas na formação e um orçamento de 250 mil euros. "O nosso objetivo é tentar fazer o melhor de ano para ano, subindo sempre na tabela classificativa e fazendo o clube crescer nas outras modalidades, nomeadamente no futsal e no futebol feminino."
Desde a sua fundação, em 1916, a equipa de futebol sénior conta com algumas subidas e descidas de escalão. "Já esteve na II Divisão, mas nunca vi um jogo tão importante como este. É bom porque deixa os jogadores mais motivados e satisfeitos. O lucro é todo para eles", conclui o vogal Carlos Lopes.