Berardo quer decreto-leiseguido à risca até Dezembro
São 11 páginas de prosa jurídica: 43 artigos e três anexos. O decreto-lei n.º 164/2006, que a partir de hoje regulamenta a criação e os estatutos da Fundação de Arte Moderna e Contemporânea - Colecção Berardo (FAMC-CB), foi ontem publicado em Diário da República ., depois de ter sido aprovado no Conselho de Ministros (a 1 de Junho) e promulgado pelo Presidente da República - embora com "dúvidas" - a 26 de Julho.
A nova lei define como objectivo principal da FAMC-CB a "instalação, manutenção e gestão do Museu Colecção Berardo de Arte Moderna e Contemporânea", no âmbito do protocolo de comodato assinado entre o Ministério da Cultura (MC), o Centro Cultural de Belém ( CCB ) e o coleccionador, a 3 de Abril deste ano. O comodato prevê o "empréstimo" ao Estado por parte de Berardo, durante um período de dez anos, de 863 obras representativas de alguns dos principais movimentos artísticos do século XX. Até ao final de 2015, o Estado poderá activar uma opção de compra das peças, evitando que um acervo reconhecidamente valioso saia para o estrangeiro.
O artigo do decreto-lei que se afigura mais problemático é o 10º: "O Museu Colecção Berardo [MCB] deverá estar instalado e a funcionar até 31 de Dezembro de 2006 na parte do centro de exposições do Centro Cultural de Belém identificada na planta constante do anexo III". É que a área destinada ao novo museu, na referida planta, corresponde ao total dos espaços expositivos (galerias 1 a 4, mais Museu do Design), sobrando apenas, como zonas partilhadas com a Fundação CCB , a recepção (bilheteiras) e os foyers .
Uma vez que existem exposições previstas até ao final de Fevereiro - compromissos já assumidos pelo CCB e supostamente salvaguardados no protocolo de Abril - foi sugerida, em notícia publicada na última edição do jornal Expresso ., a hipótese de o MCB abrir a meio-gás, na sala que o Museu do Design, de saída para o Palácio de Santa Catarina (Lisboa), deixará vaga até ao fim do mês. Uma hipótese que Joe Berardo, contactado telefonicamente pelo DN, no Brasil, recusa peremptoriamente.
"A lei é para cumprir, ninguém está acima da lei", afirma o coleccionador, que pretende ver seguidas às risca as determinações do decreto. A data de 31 de Dezembro é inegociável e Berardo promete fazer finca-pé quanto à utilização da área total especificada pelo diploma. Ainda assim, haverá da sua parte abertura para negociar. "Somos pessoas compreensivas", garante o comendador. "Mas não vou dizer mais nada. Esse é um assunto para se discutir na primeira reunião do conselho de administração." Encontro que já tem data marcada: 22 de Agosto.
O conselho de administração da FAMC-CB compõe-se de cinco elementos: dois designados pelo MC (Bernardo Pinto de Almeida e Margarida Veiga, em representação do CCB ); dois nomeados pelo coleccionador (o seu filho mais velho, Renato Berardo; e o seu advogado, André Luís Gomes); e um membro escolhido de mútuo acordo (José António Pinto Ribeiro, jurista da Cinemateca Portuguesa).
O DN tentou contactar Margarida Veiga, responsável directa pela articulação entre as duas fundações, para saber ao certo que espaços estarão disponíveis até ao fim do ano e o modo como será acomodado o novo museu, mas a administração do CCB escusou-se a fazer quaisquer comentários.
Além de presidente honorário e vitalício da fundação, Joe Berardo também será o presidente do conselho de administração (CA), abdicando apenas da presidência do conselho de fundadores - cargo oferecido . António Mega Ferreira, responsável máximo do CCB . Contudo, embora não tenha direito a voto nas reuniões do CA, os estatutos atribuem-lhe a prerrogativa de propor, "com carácter de exclusividade", a nomeação e destituição do director do Museu. Quer isto dizer que será sempre Berardo, mesmo após eventual compra da colecção por parte do Estado, a condicionar uma escolha fundamental para a gestão efectiva do espólio. Não é difícil perceber, de resto, que as badaladas "dúvidas" de Cavaco Silva sobre a "distribuição de poderes" na Fundação tinham essencialmente a ver com este ponto.
De onde vem o dinheiro?
O artigo 5.º dos estatutos esclarece a origem do património inicial da FAMC-CB: 500 mil euros de dotação inicial para o fundo de aquisições por parte do MC (verba que será paga anualmente até 2015); outro tanto a cargo de Berardo (nos mesmos moldes); o "usufruto do centro de exposições", que "constitui a entrada" do CCB ; e dotações de 50 mil euros (valor mínimo), entregues por outros eventuais fundadores.
O Estado compromete-se ainda a pagar as "despesas de funcionamento" da FAMC-CB, bem como as obras necessárias à instalação do novo museu no centro de exposições do CCB . Segundo fonte do gabinete da ministra Isabel Pires de Lima, estas verbas em concreto correspondem a 500 mil euros, provenientes do Fundo de Fomento Cultural.