Benfica pede arquivamento do "Saco Azul" porque PJ não aponta uso de verbas para pagar a terceiros

O relatório da Polícia Judiciária a que o DN teve acesso fala em "fortes indícios" da prática de crime fiscal, mas não aponta para usos de verbas para pagamentos a terceiros, alegadamente árbitros. Advogados do clube da Luz defendem que nada foi provado em cinco anos de investigação.
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Os advogados do Benfica pedem o arquivamento, ou no mínimo a suspensão do denominado processo "Saco Azul", que alegadamente serviria para pagar "favores" a terceiros, nomeadamente árbitros de futebol, no que poderia consubstanciar uma eventual descida de divisão do clube da Luz, no caso de ser provado em tribunal.

Numa exposição enviada ao Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, a que o DN teve acesso, os juristas dos encarnados baseiam-se no relatório final da investigação da Polícia Judiciária (PJ) com data de 28 de agosto, a que o DN também teve acesso, que aponta para um crime de fraude fiscal.

Na prática, os advogados João Medeiros, Paulo Saragoça da Matta e Rui Patrício justificam o pedido de arquivamento deste processo - que já tinham solicitado em setembro de 2020 - com o facto de durante os cinco anos que leva a investigação não sido provado que tenha havido um saco azul para pagamento de terceiros. Trata-se por isso, defendem os juristas do Benfica, de "uma mão cheia de nada, por referência àquelas que eram as suspeitas iniciais deste processo".

No documento enviado ao DIAP é defendido que o relatório da PJ dá "boa conta" de que "apesar da aturada, exaustiva e longa investigação dos factos, nada mais se apurou e nada mais se imputa senão uma (alegada) fraude fiscal". E foi nesse sentido, defendem, que o processo passou "para a esfera da Autoridade Tributária para coadjuvar o Ministério Público", pelo menos desde 2020.

A PJ refere nas suas conclusões que as verbas alegadamente resultantes de "negócios simulados" teriam sido canalizadas para a constituição do denominado "saco azul" que se "presume ser utilizado para efetuar pagamentos não documentados". A PJ conclui apenas que "foram recolhidos fortes indícios da prática do crime de fraude fiscal qualificada" por parte dos arguidos Benfica SAD, Benfica Estádio, nas pessoas do então presidente Luís Filipe Vieira, Domingos Soares Oliveira (administrador da SAD) e do então diretor financeiro Miguel Moreira que, de acordo com as conclusões da PJ, "gizaram um plano criminoso, assente na imputação fictícia de custos às referidas sociedades". E para isso, aponta o mesmo documento, "contaram com a colaboração" da empresa Questão Flexível, Lda e do seu sócio-gerente José Bernardes, bem como dos arguidos José Raposo e Paulo Silva, tendo alegadamente sido celebrados contratos de prestação de serviços, que "permitiram uma imputação fictícia de custos que ascendeu a pelo menos €€2.265.660,00 euros".

Esta verba teria sido transferida para as contas bancárias da Questão Flexível, sendo que, diz a PJ, posteriormente esses montantes foram levantados em numerário através de cheques à ordem de José Raposo e Paulo Silva, tendo depois sido procedido à emissão de faturas falsas por serviços de consultadoria informática.

Nesse sentido, o relatório da PJ aponta para o facto de a Benfica SAD ter obtido "uma vantagem patrimonial indevida de 64.768,00 euros em sede de IRC e de 116.380,00 em sede de IVA, respeitante ao ano desportivo de 2016/17". Ao mesmo tempo, é apontado que a Benfica Estádio obteve "uma vantagem patrimonial indevida de 154.100,00 no ano desportivo de 2016/17 e de 153.180,00 no ano de 2017/18, ambas em sede de IVA".

A PJ refere ainda que os autos "indicam fortemente que dos montantes transferidos das contas bancárias" da Benfica SAD e Benfica Estádio, "que ascenderam a 2.265.660 euros terão regressado à esfera do Grupo Benfica um total de 2.063.040,00 euros". Uma diferença que, alegadamente, poderá ser explicada pelas comissões de José Bernardes, das quais "resultaram na obtenção de uma vantagem patrimonial indevida de 113.053,46 de euros em sede de IRS respeitante ao ano civil de 2017".

Na argumentação apresentada pelos advogados do Benfica, é apontada uma frase das conclusões apresentadas pela PJ: "Não foi possível apurar as circunstâncias em que os referidos montantes [mais de dois milhões de euros] regressaram ao Grupo Benfica, nem tão pouco a quem é que estes foram efetivamente entregues e qual o seu destino final, nomeadamente se para fins lícitos ou ilícitos."

Neste contexto, os juristas do Benfica insistem que os serviços prestados "foram reais" e destacam que "não se vê prova do contrário, muito menos a um nível de indiciação suficiente". E apontam mesmo um facto que dizem ser "curioso" e arrasador" para a tese da acusação: "A constatação de que Miguel Moreira colocou em causa ("mostra-se escandalizado... chegando mesmo a insultar") os valores solicitados pela contraparte nos contratos, o que não bate certo com uma alegada comunhão de vontades e de esforços para simular contratos." E nesse sentido reforçam a ideia de que este elemento é "claramente impeditivo da dedução de uma acusação" por parte do Ministério Público, pois defendem que "afeta a existência dos necessários indícios suficientes da prática de um crime".

Em jeito de conclusão, o Benfica reforça a ideia de que a PJ "apenas presume que tais valores seriam utilizados para pagamentos não documentados", algo que dizem ser "afirmações gratuitas", afinal, "nada mais se imputa senão uma suposta fraude fiscal". "Está, pois, enterrada a questão do alegado "saco azul"", assumem os advogados, considerando que é o relatório da PJ que o diz. "Já vai sendo tempo de formalmente encerrar 5 anos de investigações".

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