Bénard da Costa: Cinefilia de perdição

Como programador soube sempre defender a pluralidade do cinema e a possibilidade da sua redescoberta, lembra João Lopes
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Nos genéricos dos filmes em que foi dirigido por Manoel de Oliveira, a começar por O Passado e o Presente (1972), o ator João Bénard da Costa mudava de nome (para Duarte de Almeida), como se a transfiguração imposta pela câmara implicasse a evidência de uma outra identidade. Era também uma forma irónica de ser e não ser no interior da vertigem do cinema.

Daí que, com especial gosto, ele escrevesse como quem deambula por filmes que resistem a encerrar-se num sentido único e unívoco. Se o senso comum gosta de perguntar a um crítico qual é o "significado" de um filme, ele não podia gostar do senso comum - no cinema, o que mais conta não é a unicidade dos significados, mas a pluralidade das significações, quer dizer, essa evidência que nos diz que o real que vemos é também aquele que já começámos a perder.

Lembro-me, por exemplo, do seu fascínio por Laura (1944), de Otto Preminger. E embora correndo o risco de atraiçoar a sua memória, direi que ele via no filme a perfeita ilustração da utopia romântica - no limite, perante a notícia da morte de Laura, Dana Andrews era mais feliz perante a pintura de Gene Tierney do que quando ela, saída não se sabe de onde, lhe aparecia em carne e osso...

São divagações imprecisas, eu sei. Mas decorrem de um valor fundamental - o gosto pela multiplicação das leituras dos filmes - que está para além da subjetividade radical que estas coisas atraem. Dito de outro modo: no caso de João Bénard da Costa, a celebração das diferenças dos filmes exprimia-se também através de conceitos dinâmicos de programação, muito para além de qualquer academismo arquivista e museológico. Querer ver é também uma arte de dar a ver.

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