BCE faz o pleno. Depois do aviso feito por Marcelo, as críticas de Costa e Montenegro
É uma concordância rara, mas Christine Lagarde conseguiu: depois de Marcelo Rebelo de Sousa ter pedido "cuidado", ontem foi a vez de António Costa criticar a política monetária do Banco Central Europeu (BCE), deixando o aviso de que, quando se falha o diagnóstico, dificilmente se acerta na terapia. E se Presidente da República e primeiro-ministro convergiram na preocupação com a continuidade da política de aumento dos juros, ainda se lhes juntou o líder do maior partido da oposição, com Luís Montenegro a criticar a visão de Lagarde de que a inflação resulta do aumento dos salários.
Na última terça-feira, no discurso de abertura do Fórum BCE, em Sintra, Christine Lagarde afirmou que continuará a aumentar as taxas de juro em julho e sustentou que "é improvável que, no futuro próximo, o banco central possa declarar com toda a confiança que as taxas máximas foram atingidas". A presidente do BCE mostrou-se particularmente preocupada com o risco de uma espiral inflacionista nos salários. Ontem, à entrada para a reunião do Conselho Europeu, em Bruxelas, António Costa contrariou esta visão. "Acho que não tem havido a suficiente compreensão por parte do BCE da natureza específica do ciclo inflacionista que temos estado a viver e também não tem em devida conta os setores que têm alimentado esta tensão inflacionista", referiu o primeiro-ministro, lembrando que "hoje é mais ou menos claro que sobretudo o aumento dos lucros extraordinários tem contribuído mais para a manutenção da inflação do que as subidas salariais". E "não compreender a natureza específica deste ciclo inflacionista" é um problema, na medida em que "limita muito a capacidade de o enfrentar" - "Se não acertamos bem no diagnóstico, a terapia raramente acerta".
Não é a primeira vez que o líder do Executivo critica a política monetária seguida pelo Banco Central Europeu. "O BCE, mal, continua a manter a política de subir as taxas de juro doa a quem doer", tinha já afirmado António Costa em março último, dias depois de nova subida das taxas de juro em 50 pontos base.
Sem nomear Lagarde, Marcelo Rebelo de Sousa já tinha defendido esta semana que "os bancos centrais deveriam ter muito cuidado naquilo que dizem publicamente". "Isto tem um efeito de perturbação nas pessoas, nas economias e nos mercados que não é bom para ninguém", argumentou o Presidente da República. Escusando-se a comentar a associação feita por Lagarde entre aumento de salários e inflação ("Não queria eu próprio fazer aquilo que acho que não é uma boa ideia fazer"), Marcelo insistiu que o "que se exige de governos como de autoridades políticas, todas, e de bancos centrais , é muito cuidado no discurso que se tem, porque é muito sensível para o dia a dia das pessoas".
Já o líder do PSD veio ontem criticar a associação entre salários e inflação feito por Lagarde. "Queria registar a nossa divergência para com a posição do BCE, em particular da senhora Lagarde, no que concerne à valorização dos salários em Portugal. Não acompanhamos [a ideia de] que o combate à inflação pode estar em causa pela valorização dos salários", defendeu Luís Montenegro, também em Bruxelas, onde participou numa reunião do Partido Popular Europeu (PPE).
Voz dissonante foi a do socialista Francisco Assis, presidente do Conselho Económico e Social (CES), que ontem referiu que o BCE deve ser "plenamente respeitado", considerando que Portugal deve adaptar-se aos aumentos das taxas de juro. "Muitas vezes os políticos fazem declarações que correspondem mais a preocupações de popularidade momentânea do que contribuir para resolver problemas reais. Eu não entro nisso", respondeu à Lusa o presidente do CES, em visita a Cabo Verde.
À entrada para o Conselho Europeu, António Costa defendeu também um mecanismo permanente de estabilização de crises na União Europeia, classificando como "insuficientes" as propostas para revisão do orçamento comunitário a longo prazo e das regras orçamentais. "Não é questão de interesse de Portugal, é o interesse da Europa, ambas as propostas são bastante insuficientes", sustentou o líder do Executivo. Com Lusa
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