BCE. Falta de euro digital ameaça sistema financeiro

A decisão de lançar um euro digital ainda não está tomada. Mas o BCE já avisou que sem a criação de uma moeda digital pode perder-se o controlo sobre o sistema de pagamentos.
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O aviso foi feito recentemente por um relatório divulgado pelo Banco Central Europeu (BCE). Segundo o documento, os países que optarem por não lançar uma moeda digital emitida pelo banco central correm o risco de perder o controlo do sistema de pagamentos para operadores estrangeiros de outras moedas digitais. A acontecer, poderia ameaçar o sistema financeiro. Esta é uma das conclusões do relatório intitulado "O papel internacional do euro". "A emissão de uma moeda digital do banco central (CBDC) ajudaria a manter a autonomia dos sistemas de pagamentos domésticos e o uso internacional de uma moeda num mundo digital", diz o relatório.

A decisão de lançar um euro digital, emitido pelo BCE, não foi ainda tomada. É esperada uma possível decisão sobre o tema durante este verão. A acontecer, deverá surgir dentro de quatro anos. Mas já se começam a ver sinais de que o euro digital é mesmo para avançar.

O governo espanhol quer avançar com o estudo para o arranque de uma moeda digital no país, e o partido do executivo - o PSOE - avançou com uma proposta de lei nesse sentido. O objetivo é criar um grupo de trabalho para avaliar a possível a adoção de um euro digital. Espanha quer ser o primeiro país da zona euro a tê-lo. A acontecer, seria o segundo país do mundo, a seguir às Bahamas.

De acordo com informação divulgada pelo BCE, o euro digital não será uma moeda alternativa ao euro. "Um euro digital seria apenas outra forma de efetuar pagamentos na nossa moeda única - o euro - na Europa. Seria convertível "um por um" em notas de euro. "Um euro digital responderia à crescente preferência dos cidadãos e das empresas por pagamentos digitais", salienta. Explica também que "um euro digital seria um meio de pagamento digital tão seguro, fácil de utilizar e barato como o atual numerário". A sua utilização para necessidades de pagamento básicas seria gratuita e possível em toda a área do euro".

As movimentações para a possível criação de um euro digital não é indiferente à explosão registada no mercado de moedas virtuais, sobretudo desde meados de 2020. Investidores do retalho, mas também institucionais, começaram a afluir em massa para as criptomoedas e os criptoativos.

"As criptomoedas representam uma fuga de capitais [ao controlo dos bancos centrais] porque, em vez de ter o dinheiro no banco, tenho em ativos virtuais", diz Pedro Borges, fundador da Criptoloja (ver entrevista ao lado). "As moedas digitais dos bancos centrais serão concorrência para as criptomoedas".

O apetite por moedas digitais por parte dos bancos centrais tem razão de ser. "As coisas estão a acontecer. As moedas digitais de bancos centrais podem facilitar muito a vida aos bancos centrais por permitir um controlo formal do sistema financeiro e permitir uma melhor transmissão da política monetária", afirmou Filipe Garcia, economista da IMF-Informação de Mercados Financeiros. Mas discorda da designação de "moedas digitais públicas". "Na realidade, o bitcoin é uma moeda pública porque a participação é livre, está em sistema aberto. É possível minerar (gerar moeda)", disse. "De alguma forma, as moedas digitais dos bancos centrais serão mais moedas privadas do que públicas", frisou. Mas o economista vê potenciais riscos de os bancos centrais passarem a concentrar ainda mais poder. "Há o risco de deixar de haver intermediários", salientou.

O BCE não é o único banco central a estudar lançar uma moeda digital. Certo é que, à medida que os bancos centrais planeiam lançar as suas próprias moedas virtuais, os reguladores apertam o cerco ao mercado de criptomoedas.

No sábado, a britânica Financial Conduct Authority (FCA) baniu qualquer atividade da Binance no Reino Unido, alegando que aquela que é uma das maiores bolsas de criptomoedas do mundo carecia de autorização. Segundo o regulador, a Binance não tem licença para realizar qualquer atividade regulamentada no Reino Unido.

"Devido à imposição de requisitos pela FCA, a Binance Markets Limited não tem permissão para realizar quaisquer atividades regulamentadas sem o consentimento prévio por escrito da FCA", refere a FCA num comunicado no sábado.

"Nenhuma outra entidade do Binance Group possui qualquer forma de autorização, registo ou licença do Reino Unido para conduzir atividades regulamentadas no Reino Unido", adianta o regulador.

Este anúncio da FCA surge numa altura em que a atuação da Binance está a ser escrutinada por reguladores de outros países, nomeadamente Alemanha e EUA.

"[Esta decisão] sublinha a continuação do cabo de guerra nas criptomoedas entre a maior adoção por parte do setor privado e, conforme ilustrado novamente por este caso, a resistência do setor público", afirmou Mohamed El-Erian, presidente do Queen"s College, de Cambridge, e antigo CEO do gigante de investimentos Pimco na sua conta na rede social LinkedIn.

Moedas digitais de bancos centros & criptomoedas

O que é um bitcoin? O que é uma criptomoeda?

O bitcoin é a moeda virtual, ou criptomoeda, mais valiosa do mundo. É considerada o ouro das criptomoedas. Tem vindo a atrair cada vez mais adeptos, na ótica especulativa de investimento em criptoativos. É possível minerar bitcoins - ou outras criptomoedas - com recurso a computadores. O forte interesse mais recente no bitcoin foi mais notório a partir de setembro de 2020. Mas recentemente o mercado deste tipo de moedas virtuais tem sofrido uma desvalorização. Outras moedas muito procuradas são a ethereum e o ripple.

O que são stablecoins?

As stablecoins ou moedas estáveis são criptomoedas indexadas a algum ativo estável ou a um conjunto de ativos. O objetivo é que não sejam voláteis, ao contrário do que sucede com as restantes moedas virtuais. Podem estar indexadas a moeda emitidas pelos bancos centrais, como o dólar, por exemplo, ou à cotação de matérias-primas.

O que são CBDC?

As moedas digitais de bancos centrais (central bank digital currency), na terminologia inglesa), são moedas emitidas pelos bancos centrais. Atualmente, vários bancos centrais de diferentes regiões do mundo estão a estudar o lançamento de moedas digitais que seriam usadas como meio de pagamento alternativo pelos cidadãos. Na Europa, o lançamento de um euro digital poderá ser decidido este verão. Mas, a acontecer, só deverá surgir dentro de quatro anos.

O que é a blockchain?

Trata-se de uma tecnologia segura de registo descentralizado de transações, que funciona em cadeia de blocos (blockchain). Esta tecnologia garante a privacidade das transações e não permite a alteração ou adulteração de dados sobre as operações. É nesta tecnologia que assenta a compra e venda de criptomoedas.

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