Barragem de Mossul é bomba que ameaça 1,5 milhões de pessoas
"É uma bomba atómica com um detonador imprevisível", explica Azzam Alwash, engenheiro civil américo-iraquiano que visitou recente a barragem de Mossul cuja represa ameaça ceder.
Construída no rio Tigre, no Curdistão iraquiano, a barragem "é hoje a mais perigosa em todo o mundo", considerava um relatório do Corpo de Engenheiros das forças armadas dos Estados Unidos, citado no mais recente número da revista The New Yorker, onde também surgem as declarações de Azzam Alwash.
O risco que constitui a barragem resulta de dois fatores. Primeiro, diz o engenheiro, a construção foi feita "no sítio errado", sobre terreno instável e permeável à água, o que obriga a uma manutenção constante. Ora esta não tem sido feita da forma sistemática, o que torna muito provável "uma rutura na represa, e que sucederá sem aviso", afirma Alwash. Desde abril que as suas fundações têm cedido.
A concretizar-se a rutura, dois terços da cidade de Mossul ficariam submersos e a massa de água libertada - 11 mil milhões de metros cúbicos - chegaria até Bagdad, 450 quilómetros a sul de Mossul, provocando inundações e um número de mortos estimado em 1,5 milhões de pessoas.
Um relatório do Centro de Ciência da Comissão Europeia, divulgado em abril, traça um cenário ainda de maior devastação. A massa de água libertada do reservatório atingiria uma altura de 25 metros, destruiria as infraestruturas existentes ao longo do rio Tigre e os seus efeitos far-se-iam sentir para além da capital iraquiana, chegando às regiões pantanosas do Sul do país. Repetir-se-ia assim o padrão das cheias que se verificavam com frequência no Iraque antes da construção da barragem. O número de vítimas poderia superar os dois milhões num total de sete milhões que seriam afetados.
Opinião idêntica à de Alwash é a de Nadhir al-Ansari, especialista em recursos hídricos e engenharia ambiental na Universidade de Lulea, na Suécia. Se houver uma rutura na barragem, será "pior do que lançar uma bomba nuclear no Iraque", disse à Al Jazeera. Para o académico, que advoga a a evacuação das margens do rio Tigre, os trabalhos da empresa italiana TREVI de reparação e preenchimento das cavidades, iniciado antes do Natal, só "servirá para prolongar a vida" da estrutura, "mas não irá impedir o desastre".
Sob a proteção de 500 elementos das forças especiais italianas e de milícias curdas, os engenheiros da TREVI iniciaram um programa de trabalhos que se estima terem a duração de 18 meses para reforçar as fundações da barragem "por agora", dizia à Al Jazeera uma fonte da empresa poucos dias antes do início dos trabalhos. Uma declaração que acaba por confirmar a análise do especialista da universidade sueca. Este referiu ainda um relatório de 2011 em que se dava conta da existência de "centenas" de cavidades, algumas com um perímetro de mais de 20 metros. Segundo o académico, após cinco anos e com tantas falhas no cumprimento das regras de manutenção e segurança, o mais provável é que tenham aumentado em número e dimensão.
Ao desafio resultante das condições geológicas acresce o facto de a barragem distar menos de 40 quilómetros da cidade de Mossul, que continua ainda em larga medida sob controlo do Estado Islâmico (EI). A cidade é alvo desde outubro de uma ofensiva das forças de segurança iraquianas, que não conseguiram ainda desalojar os islamitas. Conselheiros militares americanos pensam que na eventualidade dos combatentes do EI sentirem que estão na iminência de serem derrotados, poderiam tentar uma operação surpresa sobre a barragem para a fazerem explodir.
Recorde-se que os islamitas chegaram a controlar as instalações durante um breve período, em 2014, mas foram desalojados pelos combatentes curdos. Estes garantem a segurança da barragem desde então, mas têm-se verificado tentativas esporádicas dos islamitas em voltarem a ocupá-la.
Segundo o texto da The New Yorker, as injeções de cimento chegaram a estarem suspensas desde aquele período de 2014 quase até final de 2015.
Sucessivos avisos
Desde o início do ano, além do citado estudo do Centro de Ciência europeu, têm sido feitos sucessivos avisos sobre os riscos que a estrutura coloca para as populações ao longo do rio Tigre. Logo em fevereiro, a embaixada americana em Bagdad divulgou uma nota pondo em relevo a gravidade da situação: "há o sério risco de uma rutura catastrófica" na barragem. No mês seguinte, as Nações Unidas publicaram um comunicado alertando para a morte de "centenas de milhares de pessoas". Só os responsáveis iraquianos insistem em que a situação está sob controlo. A barragem foi edificada sob especificações técnicas para resistir a bombardeamentos aéreos, por exemplo, e o seu atual diretor, Riyadh al-Naemi, ouvido pela The New Yorker, garante estar tudo sob controlo. "Os americanos estão a exagerar, a barragem não vai ceder", diz. A revista cita em seguida um dos técnicos dos EUA que falaram com Al-Naemi: "ele nunca diria que o céu está a cair. Nós apresentámos-lhe os dados que provam o risco colocado pela represa, e são aterradores", insiste o engenheiro.
Na frente de batalha, as tropas iraquianas retomaram a ofensiva sobre as posições ainda na posse dos islamitas em Mossul. Neste momento, segundo fontes de Bagdad, um quarto da cidade está na posse das forças governamentais.
Iniciada a 17 de outubro, a ofensiva tem decorrido por fases, mas o grau de resistência dos combatentes do EI revela-se superior ao esperado. O primeiro-ministro Haider al-Abadi afirmara que Mossul estaria reconquistada no final de dezembro. Há quatro dias, reconhecia que os combates poderão durar mais três meses.
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