BARISTAS - O mestre do café

Ser barista é uma profissão nova em Portugal mas é bem conhecida noutras paragens em que o consumo do café expresso nem é tão apreciado como no nosso país. No fundo, é aquele especialista que conhece todos os mistérios de um grão de café e nos faz trocar de bom grado a cápsula lá de casa pelo prazer de um expresso perfeito, mesmo ao balcão.<br />
Publicado a
Atualizado a

Por dia, a cafetaria da Delta Q no Saldanha factura mais capuccinos do que a maioria das cafetarias, cafés ou bares durante um ano. Não é por acaso: atrás do balcão, dois baristas pilotam o sucesso da casa com mestria adquirida em Campo Maior. Dois quê?

Pois é, o barista está para o café como o enólogo ou o barman estão para o vinho e os cocktails. E se lá por ser mestre a fazer espuminha no leite em cima do café julga que também é um, saiba que esta profissão nova em Portugal – mais antiga em países com menor tradição de café expresso – vai muito além de saber mexer no botão de vapor da sua máquina ou de fazer desenhos com cacau.

Ser barista significa conhecer o café, a máquina e o moinho como as próprias mãos e ter técnica e arte suficientes para alcançar aquilo que é conhecido no meio como «a chávena perfeita». Até ver, a Delta é a única empresa que forma os seus clientes neste domínio, estejam eles em Portugal ou em Espanha.

O expresso perfeito é uma chávena com três centilitros de café extraídos durante 25 segundos: nestas condições, sabe-se que a mistura, a moagem, a pressão e a temperatura a que a água saiu da máquina são as ideais. Além desta proeza nem sempre alcançável e muito menos em contexto de competição – sim, há campeonatos do Mundo, da Europa e nacionais de baristas –, o profissional qualificado tem de saber fazer capuccinos, latte arte e bebidas à base de café, com e sem álcool.

Na Delta Q do Saldanha, os baristas André Mendes e Ricardo Gomes fazem-no tão bem que há clientes que vão de propósito à cafetaria só para testar se o rapaz do balcão vai conseguir fazer-lhe um capuccino diferente do do dia anterior, e do anterior, e do anterior. E ele consegue.

«Conhecimento, técnica e dedicação», sintetiza Paulo Grifo, formador da Escola de Baristas Grão Maior, em Campo Maior, rodeado de máquinas da empresa da família Nabeiro. Os cursos estão disponíveis para clientes e funcionários da Delta, em módulos Iniciado, Avançado ou Master.

Campeão
José Cardoso, de Felgueiras, é o melhor barista de Portugal. Ganhou o primeiro campeonato nacional (o segundo vai ocorrer este Outono, em Lisboa) e o seu caso é um caso sério de amor pelo café. Começou a tirar cafés com 11 anos, ainda nem chegava à máquina, e parou de estudar mais ou menos com essa idade porque os conteúdos da escola não lhe davam o que ele queria. E onde os havia «era longe de mais» para a sua escassa idade ou para as posses da família. Já adulto, porém, passou a fazer mil quilómetros para ir a Campo Maior fazer a sua formação como barista.

E sente-se compensado. «A casa é uma casa num meio pequeno, o cliente de hoje é o de amanhã, a não ser no Verão quando recebemos muitos emigrantes. Mas posso dizer que desde que fiz o curso o movimento cresceu talvez uns dez por cento», conta, orgulhoso de fidelizar os vizinhos que lhe entram no Mira Torre, de Lousada, à custa das suas perícias com o café. A lista de bebidas do espaço café-cafetaria-gourmet e etc., como define, tem 14 variedades e desde há uns meses que acrescentou uma bebida para os filhos dos clientes. «É o Pingo Pintarolas e os miúdos adoram», afiança, mostrando o tipo de oportunidade que lhe garante a dedicação e o conhecimento como barista.

No exclusivo e cosmopolita Delta Q do Atrium Saldanha, o capuccino tradicional – só ao pequeno-almoço são servidos cerca de cem – custa 1,20 euros e aquele que implica um pouco mais de arte tem um valor trinta cêntimos mais caro. A questão não está no preço, antes na fidelização do cliente. «Temos aqui em volta muitas pessoas que estão acostumadas a viajar em trabalho e dizem-nos que este é o único lugar onde conseguem tomar um capuccino como em Itália», frisa André Mendes, um dos baristas de serviço.

No fundo, o barista é o elo que permite ao mundo do café romper as limitações que podiam ser impostas pela nova tendência do expresso em casa. Este mercado cresceu enormemente nos últimos dois anos, com o desenvolvimento de cada vez mais opções de café encapsulado e máquinas cada vez mais sofisticadas e portáteis. Nada, porém, que substitua a técnica e a arte do barista.

A chávena perfeita
Como explica Paulo Grifo, da Grão Maior, além da mistura de cafés – o blend, que fica ao gosto de cada cliente, de cada mercado –, a arte da «chávena perfeita» lida com muitas outras variáveis. Se a natureza tem presentes caprichosos, o café é um deles. O café absorve humidade e aromas, larga óleos, gás e perde aroma. Por isso, do acondicionamento à exposição «nas horas de serviço» e até ao estado do tempo, tudo influencia o comportamento do pó no manípulo de uma máquina de expresso.

Para a «chávena perfeita» contribui também a força aplicada na prensagem dos seis ou sete gramas de café no manípulo (com peso e forma apropriados, um tamper, e não apenas com aquele apêndice redondinho que está acoplado aos moinhos), a pressão a que a água se encontra na caldeira e a temperatura a que passa pelo café. Influencia até o formato da chávena, imagine-se! De fundo côncavo se o blend tiver menos variedade robusta (que garante a densidade da espuma), de fundo plano se a mistura for menos rica em arabica.

«É no final do dia e no início do serviço que se pode fazer a diferença, verificando que todas as condições estão garantidas para que, mesmo na hora de ponta, o cliente tenha direito ao seu expresso perfeito», explica José Cardoso. Significa isto que, com a formação de um barista, mesmo o estabelecimento mais popular e frequentado tem condições de servir um bom café como complemento do prato do dia. «Quando me formei como barista, adquiri uma responsabilidade grande de passar esta cultura para os clientes e para os meus funcionários. Tenho uma causa a defender», diz José Cardoso, em cujo estabelecimento os cafés custam 55 cêntimos. E são perfeitos.

O concurso

O vencedor do primeiro Campeonato Nacional de Barista anseia pelo momento em que possa dispor de três dias de folga para preparar a sua participação na edição deste ano e tentar revalidar um título que lhe dará direito a participar (com o segundo classificado) no Campeoanto Ibérico. «Quero ir a Campo Maior, é lá que me inspiro, é lá que gosto de desenvolver esta arte», confessa José Cardoso, ansioso por mostrar o seu Pingo Pintarolas a Paulo Grifo e a Ricardo Vilhalva, responsáveis pela formação de alguns campeões, como José e outros profissionais de excelência. Icham Ahmar, cliente Delta em Madrid, campeão espanhol em 2008 e vice-campeão no ano passado, é um deles. «Em Espanha, esta profissão está mais implantada, e eles têm já campeonatos regionais que apuram para o nacional e participam no campeonato do mundo», conta Paulo Grifo.

O concorrente tem 16 minutos para preparar quatro expressos, dois capuccinos, duas bebidas sem álcool e duas bebidas com álcool. Num campeonato do mundo, o programa difere um pouco e a regra são quatro expressos, quatro capuccinos e quatro bebidas sem álcool. Tudo com coreografia e banda sonora.

Em 2007, no Campeonato da Extremadura Espanhola, Icham Ahmar representou a Grão Maior e inovou ao apresentar-se com música ao vivo, tocada pelo irmão. Só não conseguiu o sonho de terminar a sua prova tocando ele mesmo guitarra e cantando, porque a cada segundo a mais ou a menos são retirados pontos que valem um troféu.

Paulatinamente, a Grão Maior está não só a formar um escol de baristas como até juízes para os campeonatos da especialidade. Numa prova, o barista a concurso é julgado por uma bateria de especialistas divididos em jurados sensoriais e jurados técnicos, os primeiros avaliando o gosto e a estrutura das bebidas, os segundos avaliando a técnica do profissional.

MITOS

Café longo é mais fraco
ERRADO. Quanto mais água estiver em contacto com o pó de café mais cafeína é extraída. O café comprido tem sabor menos intenso mas tem mais cafeína do que o curto.

A chávena deve guardar-se em cima da máquina com a boca para baixo
ERRADO. A máquina não tem termóstato mas pressóstato, e por isso não mede a temperatura, antes a pressão da água dentro da caldeira. É necessário que o calor acumulado na máquina se escape e não para dentro da xícara. O resultado pode ser um café «sobreextraído» ou com aspecto e gosto de queimado.

O café mais estranho
Kopi luwak. O termo designa um pequeno mamífero da Indonésia que se alimenta de grãos de café e expele-os depois em pequenas bostas sem os digerir. Os grãos, com propriedades organolépticas modificadas pelos ácidos do estômago do animal, adquirem um valor de mercado quase astronómico, pela sua raridade. É catalogado pela revista Forbes como o mais caro café do mundo, chegando a atingir 260 euros o quilo.

Escola de sucesso
Única escola especializada na formação de baristas, a Grão Maior já lançou para o mercado, desde 2006, mais de dois mil especialistas. Boa parte são proprietários ou funcionários de cafés, pastelarias e outros estabelecimentos hoteleiros onde se consome os cafés da Delta, e a quem a escola da fábrica procura ensinar a tirar o melhor partido do grão. Um upgrade no negócio que a visão do fundador da empresa cedo percebeu. «Uma das mais-valias da escola é precisamente o senhor comendador», elogia Paulo Grifo. É no velho patrão que os baristas se apoiam para encontrar as misturas para os concursos e Rui Nabeiro conhece de olhos fechados o negócio: dos campos desse mundo em que as cerejas de café crescem encerrando o grão aos lotes especiais, pontos de torra e misturas, de tudo o empresário percebe, tendo inclusive integrado até há pouco tempo o escol de provadores da Delta.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt