Barbados. As vozes que fazem história

Mala de viagem (18). Um retrato muito pessoal dos Barbados.
Publicado a
Atualizado a

Quando aterrei no aeroporto, ainda este território obedecia à Coroa do Reino Unido. Deixaria de o ser em 2021, quando a governadora geral Sandra Mason prestou juramento como primeira presidente desta nação das Caraíbas: "Eu, Sandra Prunella Mason, juro ser fiel e mostrar verdadeira lealdade a Barbados de acordo com a lei, com a ajuda de Deus", declarou. Os portugueses permaneceram neste território entre 1536 e 1620. Como qualquer país das Caraíbas, Barbados tem praias de águas cristalinas de mil tons de azul e um sol vaidoso durante todo o ano. Estudando o país antecipadamente, acabei por escolher passar os dias no Hotel Crane. Consta que é o mais antigo em funcionamento contínuo nas Caraíbas. Gosto destas curiosidades. Fica a 15 minutos de carro do Aeroporto Internacional de Bridgetown. Quando cheguei ao hotel, parei perante a simbiose entre o fundo de mar e a arquitetura georgiana. Era o pôr-do-sol que animava as formas e saturava as cores do hotel. Fui ao quarto e, pouco depois, dirigi-me ao restaurante, embora cansado. Comi um "roti", leve e de inspiração hindu, com carne e legumes temperados em rolo de massa branca e macia. Tomei um pouco de rum na varanda, para me deitar cedo para cedo acordar. No outro dia, a vista sobre o mar da varanda do quarto propiciou reter-me ali por um tempo, para ver os primeiros raios de sol e ingerir um sumo tropical, de mamão e abacaxi, que estava no quarto como boas-vindas. Desci para o pequeno-almoço, verdadeiramente do outro mundo, ou melhor, desse em que eu estava, perante uma ambiência totalmente relaxante e sofisticada e ao som de cantores de gospel. Nunca em lado algum tinha tomado um pequeno-almoço com atuação musical ao vivo. À saída, havia uma pequena estante com livros disponíveis para a leitura dos clientes. O meu olhar prendeu-se em "History of the Voice". Soube depois que era de um famoso poeta local, Edward Kamau Brathwaite. O livro foi editado em 1984 e nele o seu autor advoga a chamada "linguagem-nação", um termo cunhado por si para descrever o trabalho de escritores das Caraíbas e da diáspora africana em "dialetos de nação". O livro foi meu companheiro durante a estada naquele hotel e conviveu de perto, na mesa, com a gastronomia local, que nasceu sob influências diversas (africana, inglesa e coloniais britânicas). Fabuloso é o chamado "pote de pimenta", com vários tipos de carne macia e temperada com pimenta escocesa, sumo de limão, alho, cebola, cravo, canela, sal, açúcar, manjericão e tomilho, o que garante um sabor delicioso, uma verdadeira poesia que se sintonizou muito bem com o texto de Brathwaite.

Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt