Barão Negro: ser eleitor obriga a estudos
Quer saber o que se passa na política? Deixe de seguir telejornais e debates televisivos entre deputados. Depois do jantar e em dias de semana, aprenda a política tal como ela é seguindo o Barão Negro. É uma série televisiva (RTP2) e, como se sabe, nada como a ficção para sabermos da realidade. Barão Negro é uma série francesa, não como as boas House of Cards, americana, e Borgen, dinamarquesa - é muito mais.
Muito melhor, mais próxima de nós. Ajuda-nos a perceber o que ainda não sabemos, nem vamos saber na vida real, sobre antigos aliados que espetam facas nas costas (conselhos nacionais antecipados), sobre pequenas ofertas ilegais para os cofres exangues dos partidos (de facto, grandes rapinas para alguns tenores dos partidos), enfim, ajuda-nos a conhecer os fios com que se cosem alianças improváveis... Diga lá o nome de um queijo americano ou dinamarquês? Pois é, não se recorda de nenhum... Em Barão Negro há combinações camembert ou brie que logo percebemos serem do tipo queijo limiano. É bom, pois, que a série seja francesa.
Dois amigos de longo percurso tornam-se inimigos. Num momento da série, alguém dirá: "Na política a amizade é o teu pior inimigo." Francis Laugier, recém-eleito presidente da República, e Philippe Rickwardt, deputado e presidente de câmara (em França é possível a acumulação), apesar do ódio com que já os conhecemos nos primeiros episódios, continuam juntos. Ambos socialistas, Laugier, mais velho, sibilino e pérfido, é águia de altos voos, tem tiques de Mitterrand. Já Rickwaert, antigo operário, é o dirigente feito a pulso, conhecedor da base militante, dos distribuidores de panfletos e organizadores de manifestações.
Apesar do duelo, a série não se dedica ao hóspede do Palácio do Eliseu mas foca Rickwardt (o magnífico ator Kad Merad, subtil e brutal, já ganhador de prémios por este papel), o político de base com convicções fortes e sacanice ainda mais forte para as pôr em prática. Porque acredita no que faz, ele está disposto a tudo para o fazer. Se rouba, faz isso pela boa causa, para o partido, claro. Mas não, o findar de qualquer um dos episódios do Barão Negro não nos deixa o travo batido "eles [os políticos] são todos iguais..."
A sensação é a de que ficamos a conhecer uma... uma... como dizer, aquilo não é uma profissão... digamos, já que a série é francesa, ficamos a conhecer um métier que tanto nos marca a vida. Os quotidianos políticos do presidente Laugier e do ministro (ele vai chegar a ministro) Rickwardt - os autores (enfim, outros, na vida real) de boa parte dos nossos quotidianos - têm um modus operandi, como dizem os maus jornalistas de crime, que deveríamos entender. E é aqui que eu queria chegar: nós que nos empolgamos com os políticos temos interesse em saber mais deles. E sabemos tão pouco pelo relato dos noticiários... Sabemos pouco mesmo (ou talvez sobretudo) quando lhes calham escândalos.
Por isso precisamos de uma boa e subtil série como Barão Negro. Ser eleitor não é gratuito - disso estamos fartos de o saber à nossa custa. Então, deitemo-nos ao estudo de obras inteligentes que conseguem inventar a realidade a que não temos acesso.