Bandeira mais branca não há
Apolícia invadiu uma loja de electrodomésticos de Viseu em busca de um arsenal perigoso: 110 bandeiras de Portugal com inscrições publicitárias. Bastou que uns nomes a branco poluíssem as planícies monocromáticas e a cadência do verde e do vermelho para que um cidadão mais impressionável apresentasse queixa no Governo Civil. Parece que a coisa "enxovalha o nome de Portugal" e a polícia, claro, correu imediatamente a salvar a honra do País, de cassetete em punho.
Segundo crêem as autoridades, o código penal é sensível aos rabiscos na bandeira, embora a polícia não tenha a certeza: "Como surgiram dúvidas, estamos a ver com o Ministério Público se se trata de um crime ou de uma infracção ao Código da Publicidade", confidenciou o comandante de Viseu. Que é como quem diz: a gente não faz ideia porque é que apreendeu isto, mas alguma ilegalidade se há-de arranjar.
Este pequeno devaneio policial já teve duas consequências. Em primeiro lugar, mais uma teoria da conspiração: porque foram as autoridades chatear uma loja de electrodomésticos perdida no país profundo quando a última edição do Expresso oferecia a toda a gente uma enorme bandeira carimbada pelo BES? Alguém já procedeu à recolha dos sacos de plástico? Ou porque pôde a PT raptar o hino português para se promover, sem que ninguém mexesse uma palha?
A segunda consequência tem a ver com o retorno cíclico à batida questão dos símbolos nacionais e do que fazer com eles. É o fantasma João Grosso - o homem que foi corrido da RTP por se ter atrevido a cantar A Portuguesa num compasso demasiado acelerado para o seu pobre coração. É uma pena insistir-se na sacralização de símbolos laicos: se uma bandeira ou um hino são catalisadores do amor à pátria, serão tanto mais eficazes quanto as pessoas se apropriarem deles. É para riscar, pichar, borrar, cortar, pintar. Se alguém se lembra de colocar uma marca em cima de uma bandeira é porque ela atrai, conjuga e significa alguma coisa. Maltrate- -se o hino. Despenteie-se o pendão.