Banca exige "estabilidade" e recusa "incerteza" decorrente da crise política
Estabilidade no meio da tempestade provocada pela demissão de António Costa - é isto que querem os líderes dos principais bancos nacionais. Ontem, durante a Money Conference, moderada por Rosália Amorim, diretora de informação da TSF, a crise política foi um dos temas debatidos pelos banqueiros, que pedem "estabilidade" e ação rápida do Presidente da República para evitar mais danos à reputação do país. "Se o país não for rápido a reagir, não tenho nenhuma dúvida que vai levar a essa degradação", lamentou Miguel Maya, presidente do BCP, referindo-se ao impacto que a situação governativa pode ter junto das agências de notação financeira.
Recorde-se que, primeiro em julho e depois em setembro, as agências DBRS e Fitch reviram em alta o rating de Portugal em consequência dos resultados orçamentais positivos revelados pelo ministério liderado por Fernando Medina. A preocupação do líder do Millennium é partilhada pelo homólogo do BPI, João Pedro Oliveira, que pediu "bom senso" a Marcelo Rebelo de Sousa.
Sobre a proposta de Orçamento do Estado para 2024, cuja votação global está agendada para o próximo dia 29, as opiniões dos banqueiros vão na direção da aprovação, ainda que com algumas reservas. Paulo Macedo, o homem-forte da Caixa Geral de Depósitos (CGD), considera que "não se deve acrescentar incerteza à incerteza" nem "se deve parar a diminuição dos impostos às pessoas".
O presidente do Santander, Pedro Castro e Almeida, é mais seletivo nas medidas que julga ser importante aprovar em benefício do país. "A única coisa que me parece que deveria ser aprovada tem a ver com questões de aumento de pensões e da redução do IRS, que parecem medidas que terão um impacto que não deveriam ser adiadas por mais seis meses", referiu.
Vale a pena assinalar que a proposta de OE2024 prevê um alívio fiscal no IRS e um reforço dos apoios às famílias. Sobre a constitucionalidade de uma eventual aprovação da proposta já depois da demissão do primeiro-ministro, as opiniões dividem-se, mas será Marcelo Rebelo de Sousa quem terá a última palavra.
Revolução tecnológica
No encontro de banqueiros realizado ontem, em Lisboa, a propósito da Money Conference, uma iniciativa do DN/Dinheiro Vivo/TSF, os desafios e as oportunidades trazidas pela inteligência artificial (IA) deram o mote para a discussão. Ainda que todos reconheçam os benefícios das novas ferramentas, os líderes da banca nacional concordam que, independentemente da digitalização, a inteligência humana continuará a ser essencial na relação com os clientes. "As tecnologias criam empregos. Temos de ter pessoas para pôr a máquina ao serviço das pessoas, os nossos clientes", afiançou Miguel Maya.
Também o CEO da CGD vê na tecnologia, e na IA em particular, uma oportunidade de melhorar o serviço, sem passar necessariamente pelo encerramento de balcões, até porque os clientes têm hoje mais interações com o banco do que antes. "Temos verificado um aumento do serviço da banca sem paralelo", sublinha, revelando que, em breve, o banco público vai disponibilizar o ChatGPT na plataforma acessível a todos os clientes. No entanto, alerta, "a responsabilidade é de quem a usa". É um instrumento de trabalho válido que exige uma revisão atenta.
Carlos Brandão, administrador do Novo Banco, alerta que, apesar do potencial da IA, há que olhar para ela com respeito, referindo-se à questão da proteção de dados. "Temos de utilizar as tecnologias ao nosso dispor de uma forma responsável. O nosso maior desafio será antecipar comportamentos futuros e estarmos preparados". Do lado do regulador, Rui Pinto, administrador do Banco de Portugal, garante estar atento e "confiante na capacidade do setor em tirar partido destes avanços tecnológicos".
IA pode alavancar metas ESG
Apesar de a utilização de ferramentas de IA não ser uma novidade para as instituições bancárias, os modelos de IA generativos são um novo desafio que implica testar potenciais casos de uso e gerar novos modelos de negócio. Mas, para a avaliação de critérios ESG (ambiente, social e governação empresarial) na concessão de créditos, esta nova inteligência pode ser muito útil para acelerar processos, à semelhança do que tem feito a CGD, que criou há ano e meio um rating ESG para utilização interna. "Agora já disponibilizamos a ferramenta aos nossos clientes empresariais para que também possam perceber quais são os critérios usados neste tipo de avaliação", detalha a administradora Madalena Talone.
Ricardo Chaves, diretor executivo do Centro de Excelência de Inteligência Artificial do BPI, reforça a importância de encontrar um caso de uso para a IA na banca, que deve ter uma "visão transformadora" do negócio. Por outro lado, lembra, há que garantir que os clientes acompanham essa transformação e que não são obrigados, de um momento para o outro, a comunicarem exclusivamente de forma digital com o seu banco. "Há clientes que gostam das coisas de uma maneira em vez de outra. Temos de estar dos dois lados", afirma. Sobre o tema do ESG, Ricardo Chaves acredita que a "IA vai ser crítica" para o sucesso desta jornada e para a capacidade de regulação sobre o cumprimento destes critérios.