Foi impedido de exercer o cargo de juiz até 2021 por causa de escutas consideradas ilegais no caso Gürtel... .Fui suspenso pela investigação dos crimes franquistas e posteriormente juntou-se o caso Gürtel, pelo qual fui condenado. Um crime que, do ponto de vista da nossa defesa, não existia. Criou-se na sentença. Mas isso já passou. Serviu para me lembrar que a luta contra a corrupção tem um custo, que às vezes é muito grande. No meu caso foi a impossibilidade de exercer como juiz durante 11 anos. O estudo do direito era a minha vida, mas esta vida continua. E pode-se continuar a lutar pela justiça, contra a corrupção, também desde fora..Falo do caso Gürtel porque a Audiencia Nacional decidiu que o primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, tem que ir pessoalmente declarar em tribunal. Sente isso como uma vitória?.Com essa decisão o tribunal aplicou o princípio da igualdade perante a lei. Os argumentos da defesa para evitar que Rajoy fosse declarar eram uma estratégia para impedir que os cidadãos pudessem ouvir a versão de uma testemunha. Uma testemunha privilegiada, já que foi secretário-geral na altura em que ocorreram os casos de alegada corrupção dentro do partido. Isto é o mínimo que merecemos. A tristeza é que tenha que ter havido uma resolução judicial. Mostra que não é verdade que existe vontade de colaboração com a justiça..É complicado investigar o poder?.É muito difícil. Investigar o poder é como introduzir um pequeno pedaço de madeira no mecanismo de um relógio. O mecanismo, com a força do poder, tenta e acaba por partir esse pequeno pedaço de madeira. Mas, às vezes, esse pequeno pedaço faz rebentar todo o sistema, como vimos no caso Mani Pulite, em Itália, ou outros casos..A chamada delação premiada, que existe na justiça brasileira, pode ajudar?.Em Espanha também existem no Código Penal mecanismos de redução da pena. Eu fui e continuo a ser muito crítico com os que dificultam uma investigação judicial, mas também com aqueles que a festejam. Que, por interesses conjunturais, animam essa investigação, mas se fossem afetados fariam exatamente o contrário. Por isso o que digo sempre é que é preciso atuar com justiça, com legalidade, dentro dos limites, mas com toda a energia. Um dos mecanismos, quando se trata de investigar corrupção ou crime organizado, é o dos que em Itália se chamavam os pentiti, os arrependidos. Em Espanha também os utilizamos. Essa figura continua a ser válida, mas quando é apoiada por outras provas que a corroboram. O sistema é válido, apesar de ter que ter limites e regras. Porque, a determinado nível, nas estruturas criminais, nos mecanismos de corrupção, é quase impossível entrar. Só assim se pode entrar. Mas é preciso muito cuidado, porque pode haver desejo de vingança. Pode haver interesses, aproveitamento. O que o juiz não pode fazer é incitar, mas deve dissecar o testemunho, procurar provas que o apoiem..Falou na conferência num trabalho heroico. O que queria dizer?.Que os juízes são obrigados a fazer um trabalho heroico, mas não o deveriam ser. A regra normal e natural deveria ser que todos os juízes e procuradores tomassem essas decisões. O que transforma a normalidade em algo heroico ou excecional é que a grande maioria se inibe e só uns poucos é que avançam..E esses poucos transformam-se em estrelas para a opinião pública..Somos transformados em estrelas. Mas estrela significa trabalhar 25 horas, significa que te invadem a vida privada, que te perseguem, que te destroem, que te ameaçam...Isso é ser estrela? Isso é a parte que não se conta. O que se conta é que sais nos meios de comunicação. Mas o que o juiz não pode fazer, porque estaria a prevaricar, é deixar de fazer o que deve porque falam bem ou falam mal dele nos órgãos de comunicação..Existe maior pressão da sociedade?.Claro. A sociedade civil está cada vez mais indignada, cada vez é mais intransigente com os comportamentos corruptos do poder, seja político, judicial, económico... Há uma maior consciencialização e uma menor indiferença. Historicamente era ao contrário. Agora, provavelmente pela crise económica, pela universalização das comunicações, pela globalização dos comportamentos há maior conhecimento e sensibilidade. Então, exige-se essa transparência, essa ação proativa frente à corrupção..Está à frente da equipa de defesa de Julian Assange. A justiça sueca retirou as acusações, mas o fundador da WikiLeaks continua na embaixada equatoriana em Londres. Porquê?.Estamos numa espécie de limbo jurídico. O limbo foi eliminado da doutrina da igreja, mas não da legislação britânica. A polícia diz que o vai deter, porque quebrou as medidas cautelares ao refugiar-se na embaixada. Dificilmente alguém pode cometer um delito pelo exercício de um direito, como é o de asilo, e além disso não temos notícia de nenhuma investigação. Como também não temos notícia da investigação dos EUA depois de seis anos. Não há uma só notificação formal, portando a indefinição é absoluta. O Equador pediu ao Reino Unido um salvo conduto, mas não recebeu resposta. Nós vamos continuar com a estratégia de denúncia diante de várias instituições. Assange é um perseguido por ter exercido o direito à liberdade de expressão e de informação.