Baixa de Algés mete "trancas nas portas" para travar futuras enxurradas
O provérbio popular "casa roubada, trancas à porta" pode servir de mote à mudança ocorrida na baixa de Algés, em Oeiras, um ano depois das cheias que assolaram a zona, com a instalação de comportas nos estabelecimentos comerciais.
Na Rua Major Afonso Palla, os restaurantes e lojas têm agora um sistema de portadas/comportas para travar a entrada da água caso se voltem a repetir as cheias de 07 e 13 de dezembro do ano passado, que causaram prejuízos que ascenderam a 19 milhões de euros em infraestruturas municipais e comércio, decorrentes do mau tempo, de acordo com a Câmara de Oeiras, no distrito de Lisboa.
Na rua pedonal, as 15 estátuas de tamanho real já não têm as marcas da altura a que a água chegou no ano passado. As marcas estão agora eternizadas em placas colocadas junto à porta do restaurante Petit d'algés, fundado em 1927.
À Lusa, Lucas Rosa, gerente do restaurante, lembrou a noite da primeira cheia, 07 de dezembro de 2022, quando tinha "a casa cheia" de clientes e "numa questão de 20 a 30 minutos" a água subiu um metro dentro do espaço.
Depois de sete dias de limpezas "e muitas coisas perdidas", voltaram a abrir portas, mas a chuva voltou a cair na noite de 12 para 13 de dezembro, ainda com mais intensidade, e a rua das estátuas e a vizinha Damião de Góis voltaram a inundar, com a água a subir acima do nível da semana anterior.
Aquilo que os comerciantes tinham conseguido salvar perdeu-se então naquela madrugada.
"Foi uma perda muito grande para o restaurante, tivemos aqui um prejuízo em torno de 100 mil euros, e agora estamos com medo novamente. Chega agora dezembro, época das chuvas", desabafou Lucas Rosa, lembrando que o espaço comercial fez obras para conter a água, mas ainda não sabe se irá funcionar.
De entre as obras realizadas, Lucas Rosa adiantou ter sido preparada uma "válvula de retenção" para as águas pluviais e esgotos e, embora reconhecendo que as duas portadas/comportas fornecidas pela Câmara de Oeiras "podem fazer alguma diferença", evitando que a água entre no restaurante, a solução passa pela realização de obras no exterior por parte da autarquia.
A loja Pescacerta também não escapou à enxurrada de dezembro passado. Carla Ferreira, proprietária da peixaria e loja de congelados, recordou ter sido um período "muito difícil", com 20 dias de muito trabalho e de "nada ter ficado a 100 por cento", tendo estado aberta a meio gás e só agora, depois de algumas obras e melhoramentos, voltou a ter o espaço normal.
Carla Ferreira recordou o grande investimento feito no início de 2022 até à reabertura do espaço em março, com "equipamentos todos novos e a loja renovada", e meses depois foi tudo literalmente por água abaixo: "Ficou tudo completamente destruído".
A lojista considerou também que as portadas/comportas podem "prevenir na parte da frente" dos estabelecimentos, mas os comerciantes "têm medo", sobretudo dos esgotos e do que possa subir pelas caves, à semelhança do que aconteceu no ano passado.
"Isso é a parte mais difícil, já parte de umas grandes obras aqui. Toda a gente tem conhecimento disso e estamos a aguardar o que é que a câmara e o Governo vão fazer com a situação", lembrou.
Isabel Marina, proprietária do restaurante O Telheiro, à semelhança da 'vizinha' da frente, recordou a "altura dolorosa" vivida, frisando, no entanto, que o reerguer "nunca esteve em causa".
"Limpou-se da primeira vez, limpou-se da segunda. Arranjámos algumas coisas, poucas, equipamentos foram trocados porque tiveram de ser trocados e tentámos funcionar com o que tínhamos para que não se gastasse também muito dinheiro até que viesse o do seguro", explicou.
A opção de Isabel Marina foi trabalhar no verão e deixar as obras de fundo e o 'refresh' para depois das férias, fechando em finais de setembro.
No dia escolhido para a reabertura, a Proteção Civil emitiu um alerta de mau tempo, 19 de outubro, situação que levou Isabel Marina a pensar que "se calhar não ia ver a obra completa", mas, no final, "acabou por correr tudo bem".
O restaurante de Isabel também tem as portadas/comportas, que são colocadas todos os dias "quer chova, quer não chova, ficam sempre colocadas", frisou, não tendo a certeza se as mesmas vão funcionar, já que o caudal de água, recordou, "foi demasiado, levando a pressão a partir algumas montras das lojas circundantes".
A chuva intensa e persistente que caiu durante vários dias de dezembro de 2022 causou inundações, danos em habitações e comércio, quedas de árvores e cortes de estradas e uma vítima mortal na zona de Algés, mau tempo que afetou sobretudo os distritos de Lisboa, Setúbal, Portalegre e Santarém.
"De facto vivemos aqui momentos críticos, mas também momentos de grande superação dos serviços da câmara e de todos os particulares que envidaram todos os esforços para voltar às suas vidas o mais rapidamente possível", afirmou à Lusa, a vereadora com o pelouro da Proteção Civil da Câmara Municipal de Oeiras, Joana Baptista.
De acordo com a autarca, há que fazer aquela que é considerada a obra "mais importante, mais estratégica e mais prioritária": a intervenção na ribeira de Algés entre o Largo Comandante Augusto Madureira e a foz do Tejo, onde a ribeira está encanada (passa em cano debaixo do chão).
"É fundamental, é uma preocupação que o município de Oeiras tem há muitos anos que é intervir neste troço, e que tem passado ao Governo, ao Ministério do Ambiente, à Agência Portuguesa do Ambiente, mas também aos dois municípios que são vizinhos, Lisboa e Amadora. Não estamos sozinhos nesta grande obra pública que tem que naturalmente acontecer", reconheceu.
De dezembro para cá, a responsável referiu que têm sido realizados "estudos e projetos" para ser feita aquela intervenção, "que naturalmente tem de ser consertada e tem que ter a anuência do Ministério do Ambiente", além de terem sido tomadas algumas medidas preventivas.
Entre estas, encontra-se a construção e instalação de um sistema de portas/comportas contra enchentes que será colocado entre a Rua Major Afonso Palla e o Largo Comandante Augusto Madureira, "um protótipo desenvolvido pelo município de Oeiras que em situação de alerta sensibiliza os particulares e comerciantes para a colocação do sistema", que muitos dos lojistas já possuem.
A autarquia desenvolveu também um sistema modular de encaminhamento de águas a ser instalado junto à zona onde há transbordo da Ribeira de Algés, de forma a "evitar que as águas sigam para a baixa, protegendo o centro urbano e encaminhando as águas para a artéria principal na Avenida dos Bombeiros Voluntários", disse a responsável.
Reconhecendo que não se podem "travar enxurradas", Joana Baptista admitiu que foram realizadas uma série de medidas para auxiliar e que em situação de alerta de mau tempo haverá também um sistema sonoro em todos os equipamentos de iluminação pública para sensibilizar as pessoas.
Segundo a vereadora, a Câmara de Oeiras já comparticipou em "cerca de um milhão de euros" os comerciantes da conhecida por rua das estátuas e todos aqueles que preparam as suas candidaturas.
"O Governo, até ao momento, já aprovou uma comparticipação para o município de Oeiras, porque nós tivemos um prejuízo [no comércio e atividades económicas] que rondou cerca de 6 milhões de euros e o Governo aprovou uma comparticipação que rondou 1 milhão e 250 mil euros", especificou.
Por seu turno, João Antunes, presidente da junta da União de Freguesias de Algés, Linda-a-Velha, Cruz Quebrada e Dafundo, contou à Lusa já ter vivido as cheias de 1967, 1983, 1997 e 2008 e que a situação "é muito complexa" em Algés.
"O meu pai tinha duas lojas em leito de cheia na Rua Damião de Góis, e em 67 ficou sem nada, por isso eu sinto esta vivência dos comerciantes por dentro porque também já a vivi", recordou.
No entanto, o também presidente da Associação Comercial e Empresarial dos concelhos de Oeiras e Amadora reconheceu que "nunca se fez tanto", apesar de apontar como solução para o problema das cheias "a duplicação da ribeira" de Algés.
"Fez-se o desassoreamento da ribeira. Tentou-se ver com robôs como é que estava por dentro. Andámos a comprar material para desviar a água quando saltar da ribeira. Acho que nunca se fez tanto. Precisávamos definitivamente da duplicação da ribeira, que não está nas mãos da câmara, mas do Governo. Como vamos para eleições os 'algesinos' até deviam pedir que entrasse no programa", frisou.
Quanto aos apoios aos comerciantes, João Antunes contou à Lusa que "não chegou coisa nenhuma", retorquindo que "se não fosse a câmara a ajudar com alguma coisa" os comerciantes estariam pior.
Na Rua Major Afonso Palla e na Damião de Góis só dois estabelecimentos não voltaram a abrir, de acordo com João Antunes, enquanto outros deixaram os espaços que foram ocupados por outros comerciantes.