Baía da Traição
O povo de uma pequenina cidade piscatória da Paraíba, estado pobre na região nordeste do Brasil, que trabalha duramente no mar, na agricultura ou nos serviços descobriu que os vereadores que elegeu têm seis meses de férias.
No semestre em que os vereadores trabalham, têm apenas uma reunião semanal obrigatória. Mesmo assim, procurado pela TV Globo para esclarecer o assunto, o presidente da Câmara Luiz Sabino alegou "agenda demasiado cheia" para receber a reportagem.
O salário médio no município é de pouco mais de 60 euros. O dos autarcas, de aproximadamente 1000. "A gente se sente traído", comentou um cidadão na reportagem.
Por falar em traições, Michel Temer traiu Rodrigo Maia, o líder da Câmara dos Deputados que pode herdar a chefia de estado em caso de condenação do presidente, assinalou a imprensa brasileira. Sabendo que o partido de Maia, o DEM, se preparava para acolher uma dúzia de deputados dissidentes de uma outra força, o PSB, foi a casa de uma deputada desse partido convencê-la a ela e aos outros 11 a migrar para o seu PMDB e não para o DEM. E com isso, claro, garantir mais uma muleta para o seu manco governo.
Traidor que trai traidor tem cem anos de perdão, terá pensado Temer. Afinal, Maia, que faz juras de amor quotidianas ao presidente da República em público, anda a acertar agulhas às escondidas dele com o ministro das Finanças, Henrique Meirelles, pilar do governo atual, com os donos do PIB da Avenida Paulista, a quem só interessa um liberal ortodoxo no Palácio do Planalto seja ele qual for, e até com altos executivos da Rede Globo, uma das patroas do Brasil.
Temer sabe que Maia planeia fazer com ele, o que ele fez com Dilma Rousseff, do PT, quando por trás dos sorrisos públicos mobilizou em privado nas esquinas de Brasília o seu partido e as suas influências para a derrubar lenta e dolorosamente.
Sabe também, por experiência própria, que não se pode confiar em ninguém desde que convidou um empresário amigo para tratar de negócios escuros no porão da sua casa oficial a altas horas da noite e acabou gravado à sucapa e desmascarado perante a polícia e o povo.
Aliás, o atual presidente do seu partido, Romero Jucá, padeceu do mesmo mal. Um tal de Sérgio Machado, mesmo tendo sido colocado num ótimo tacho na Petrobras pelo PMDB, telefonou-lhe para bater um papo sobre como estancar a Operação Lava-Jato e enviou a seguir o conteúdo da conversa para a sede dessa mesma Lava-Jato. Jucá acabou demitido do governo.
Ainda no governo Temer, um ministro, o da Cultura, gravou uma conversa mantida no gabinete presidencial para tramar outro ministro, o vigarista entretanto demitido, detido e morto politicamente Geddel Vieira Lima, encarregado dos Assuntos Parlamentares. E até no rival PT, o senador Delcídio do Amaral combinava serenamente com o filho de uma das testemunhas-chave da Lava-Jato a fuga do pai para o estrangeiro no quarto de um hotel sem desconfiar que o tal rapaz, ator profissional, o estava a filmar. Delcídio anda à solta mas foi corrido do Senado pelos seus pares na sequência do episódio.
Por estas e por outras histórias de traições e contratraições, todas ocorridas no intervalo de menos de dois anos, a conta oficial do Twitter da série de intrigas e conspirações palacianas norte-americana House of Cards escreveu algo do tipo "assim não dá Brasil, isso é concorrência desleal".
Os maiores traídos destes episódios não são porém os protagonistas em si, como Maia, Temer, Dilma, Jucá, Geddel ou Delcídio - mas o povo brasileiro, que elegeu gente que rouba, mente, delata e ainda gasta dinheiro público a alimentar este ciclo vicioso de pecados mortais.
Como a população da tal pequena cidade piscatória da Paraíba, cujo nome, Baía da Traição, por ser tão apropriado, dá o nome a este texto. E podia dar o nome ao país.