Bahrein. Camões, muito antes do petróleo
Antes da partida para o Bahrein, fui rever "Os Lusíadas". Tinha uma leve impressão de que Camões escrevera, em mais do que uma estrofe da obra, a palavra "Barém". E confirmei que sim. Nas suas conquistas pelo mundo, os portugueses passaram por este arquipélago, localizado no Golfo Pérsico. Hoje, é considerado um país rico, porque é rico quem tem petróleo no seu solo, até o petróleo durar. A sua localização é extremamente favorável para viajar pelo mundo, tendo em vista que, estando no Médio Oriente, alvejamos meio mundo, num círculo inscrito no globo. Antigamente, este era um território de pérolas até que, em 1932, se descobriu petróleo em Awali, no centro da ilha de Bahrein. Foi o primeiro país a descobrir, a explorar e a exportar petróleo no Golfo Pérsico. Essa foi a riqueza que levou à construção de uma cidade sumptuosa, a chamada "Las Vegas do Médio Oriente". Nela, vive-se 24 horas por dia. Pouco tempo antes, tinha havido uma série de protestos pró-democracia inspirados na chamada "Primavera Árabe", mas foram reprimidos com violência. A monarquia sunita suprimiu direitos políticos e liberdades civis e combateu duramente dissidentes xiitas. À parte este conflito, um restaurante de cozinha tradicional árabe foi a minha primeira experiência gastronómica, mas também há restaurantes estrelados e redes de comida rápida. À mesa trouxeram-me o chamado "chicken machboos", que é um prato de arroz feito com especiarias e um frango inteiro, considerado o prato oficial do Bahrein, o único servido nesta espécie de tasca, que escolhi na parte mais antiga da cidade. Para beber, a escolha foi um champanhe saudita, que é feito com sumo de maçã e água gaseificada. Tinha combinado um encontro com um outro português que, no início dos anos 80, fora para este país trabalhar para a construção naval. Trabalhara na Lisnave e fora com um contingente de colegas. Todos os outros regressaram, ele ficou. Mário é alentejano e vivia no Barreiro. A sua família seguiu depois para o Bahrein. Da construção naval, passou para a indústria hoteleira, como chefe de manutenção. É lá que também trabalham os restantes elementos da família. Vivem num bairro maioritariamente ocupado por estrangeiros. Falou-me do crescente extremismo religioso, do tráfico de mulheres e do domínio há décadas de uma única família. Os habitantes de origem estrangeira, que compõem mais de metade da população, são do Irão, da Índia, do Paquistão, das Filipinas, do Reino Unido e dos Estados Unidos da América. Os estrangeiros têm dificuldade em se adaptar a essa realidade, preferindo conviver entre europeus os que são europeus, entre asiáticos os que são asiáticos, entre americanos os que são americanos. Porém, são estes, sobretudo, que procuram as redes de sexo, ajudando outros americanos que apenas chegam e partem para esse fim. Mas eu estava ali como turista, limitando-me a Manama, a capital, ocupada pelos portugueses em 1521, depois pelos safávidas em 1602 e tornado num protetorado britânico até à sua independência em 1971. Alguns vestígios destas ocupações são visíveis na cidade, como é o caso do Forte do Bahrein (Qalat al-Bahrain), com heranças dos sumérios e dos portugueses. O nome da cidade tem origem árabe e significa "o lugar de descanso" ou "o lugar dos sonhos". Em parte, sim, mas dificilmente a merecer o meu regresso, enfim, em solidariedade com o nosso Camões.
Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.