B Fachada e os tempos que já lá vão
"Para o passado não olhes". Um dos versos do fado Cabelo Branco é Saudade, de Alfredo Marceneiro, com o qual B Fachada deu por terminado ontem o concerto de despedida, antes de iniciar o anunciado período sabático afastado da música.
No entanto, é inevitável olhar para o retrovisor. Mesmo que as primeiras canções apresentadas tenham sido inéditas, que vão integrar O Fim, o disco que encerra assim o percurso de B Fachada e que será disponibilizado ainda este mês, o que aconteceu ontem no B. Leza (Lisboa) foi uma celebração do que foram os últimos seis anos da carreira do cantautor, durante os quais lançou mais de uma dezena de discos e marcou de forma indelével a canção portuguesa.
A discoteca estava completamente lotada e mais de uma hora antes de B Fachada subir ao palco, eram já muitas as dezenas que aguardavam ansiosamente à porta para também eles se despedirem do músico.
Criôlo, o álbum que editou este verão, repleto de sintetizadores e batidas que viram as costas à ditadura do suposto bom gosto, foi interpretado quase na íntegra e, logo, nos primeiros temas era perceptível como a memória destas canções está ainda bem viva para os admiradores de Fachada. Quem Quer Fumar Com B Fachada? ou Afro-Xula foram "acompanhadas" pelas vozes do público sem falhas e o próprio cantor foi estimulando essa participação dos fãs com regozijo.
A partir daí choveram pedidos, B Fachada chegou a sair mais que uma vez do palco e, na verdade, todos os grandes momentos do seu percurso foram recuperados. Desde a tocante declaração sentimental (e não sentimentalista) de Não Pratico Habilidades, ao ataque à moral em Tó-Zé, passando pela intervenção urgente de Deus, Pátria e Família, ou pela tradição transfigurada de Joana Transmontana.
O início do concerto deu-se com um regresso ao formato voz e viola braguesa mas, como o músico sempre nos habituou, o registo foi bem diferente daquele que em 2008 o destacou. O próprio músico alterou a viola braguesa, electrificando-a. Estes inéditos, que vão figurar no disco O Fim, mostram como B Fachada está no seu pico de forma enquanto instrumentista e compositor de canções. As estruturas dos temas fugiam às normas mais convencionais, mas sabendo fazê-lo com uma extrema segurança. Porque o carácter de intervenção e também provocatório do que ali canta não se pode limitar às formas mais rígidas e conservadoras.
A despedida com o fado de Marceneiro não poderia ter sido mais apropriada. "Saudades são pombas mansas/ a que nós damos guarida/ Paraíso de lembranças/ da mocidade perdida", cantou. A certa altura sem amplificação. Só B Fachada e o público à sua frente. Um dos mais talentosos compositores de canções que conhecemos só se poderia despedir assim.