B de Brasil (e de Bolsonaro)

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No julgamento em segunda instância de hoje, Lula corre sérios riscos de ficar de fora das eleições presidenciais de outubro. Por isso, todos os olhos do Brasil se viram para o tribunal de Porto Alegre onde a sentença será lida.
A começar pelos olhos de Jaques Wagner e Fernando Haddad, os dois companheiros de Lula no PT que devem disputar eventual vaga do antigo presidente. Passando pelos de Ciro Gomes e Marina Silva, candidatos de centro-esquerda cuja competitividade eleitoral depende da ausência do líder destacado das sondagens, e pelos de Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles ou Rodrigo Maia, os três concorrentes de centro-direita que perderiam o seu maior rival. E terminando, claro, nos olhos castanhos e meio assustadiços de Jair Bolsonaro, o segundo classificado em todos os cenários das pesquisas de opinião.

Sem Lula, o deputado, militar na reserva e ícone da extrema-direita brasileira, muito provavelmente surgiria nas próximas sondagens em primeiro - com tudo o que uma liderança nas pesquisas de opinião representa no subconsciente de candidatos e eleitores. Mas como, perguntam-se, entre chopes, as classes médias informadas de São Paulo e do Rio de Janeiro, se Bolsonaro é um "grosso", um "sem noção", um "despreparado"? E não tem máquina partidária - o modesto PSL - nem, por causa disso, tempo de antena suficiente - por volta de um minuto e meio -, acrescentam os cientistas políticos. Além do mais, não resiste ao primeiro debate sério sobre as finanças do país, opinam os analistas económicos. Finalmente, argumentam os colunistas dos grandes jornais, tem uma agenda do século XIX que não colhe, não pode colher, em pleno século XXI.

Eis essa agenda: Bolsonaro considera o período da ditadura militar brasileira (1964-1985) uma época "gloriosa de ordem e progresso". Defende a tortura e os torturadores. Já chamou a democracia de "porcaria". Teria fuzilado Fernando Henrique Cardoso, se pudesse. E argumentou que "se Augusto Pinochet só matou três mil pessoas no Chile, deveria ter morto muitas mais". Estudo comandado pela norte-americana Pew Research Center e realizado no Brasil pelo Instituto Ibope constatou, entretanto, que o país, a cuja presidência Bolsonaro concorre, é, de 38 analisados, o que menos admira a democracia representativa. Enquanto nos EUA, 48% dos entrevistados a consideram um sistema "muito bom", na Alemanha 46%, na Índia 44% e na Argentina 32%, no Brasil os seus entusiastas são 8%. Quase 40% dos brasileiros, por outro lado, são simpáticos a um governo comandado por militares, 14 pontos acima da média global. Mais agenda do presidenciável: em matéria de comportamento, defende a criminalização das mulheres que abortem mesmo em caso de violação, é radicalmente contra o casamento gay, quer distribuir armas pelos civis e ergue como bandeira o regresso da pena de morte.

Em relação à pena capital, encontra-se, no fim das contas, entre os 57% de brasileiros que hoje a aprovam, mais dez pontos percentuais do que em 2008, segundo o Instituto Datafolha. Sobre o porte de arma, 44 em cada cem pessoas ouvidas na pesquisa é favorável à medida proposta pelo candidato, quando ainda há dois anos esse número não passava dos 32%. No caso do matrimónio entre pessoas do mesmo sexo, dizia um estudo do IGBE de 2013 que metade da população do Brasil - 49% - está, como o capitão na reserva, contra a lei aprovada pelo Supremo Tribunal Federal em 2011. Por outro lado, 57% dos eleitores também quer ver as mulheres que abortem atrás das grades, revela sondagem.

Outro ponto do programa de Bolsonaro: é crítico contumaz dos movimentos globais e locais pela legalização da maconha (canábis). Ora nesse item é acompanhado por nada menos do que dois terços da população que vai às urnas em outubro, verificou o centro Ibope. Como, segundo reportagem da TV Globo, a maconha entra no Brasil pela fronteira do Paraguai, um dos maiores produtores mundiais da droga, só falta que Bolsonaro venha defender um muro a separar os dois países. E ninguém ganha eleições, em pleno século XXI, a defender a construção de muros, pois não?

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