Avatar: à procura do futuro do cinema
Desde os tempos heroicos do Tubarão (1975), de Steven Spielberg, e do começo da saga Star Wars (1977), de George Lucas, que os espectadores de todo o mundo se habituaram a consumir os chamados blockbusters de Hollywood como sagas, não apenas do espetáculo, mas da própria indústria. Daí o triunfo das sequelas: cada sucesso impõe algum tipo de continuação ou reconversão. Avatar (2009), de James Cameron, não é exceção, ainda que o tempo de espera do prometido "Avatar 2" tenha sido invulgarmente longo -- Avatar: O Caminho da Água chega esta semana aos ecrãs de todo o mundo (quinta-feira, dia 15, em Portugal) e, como se costuma dizer em política, estão reunidas as condições para que seja um novo e exuberante fenómeno global.
Do projeto de Cameron, conhecemos a ambição narrativa e os desafios tecnológicos, mas o filme é ainda um segredo bem guardado. Desde que os grandes estúdios americanos começaram a ficar seriamente (e justificadamente) preocupados com a pirataria na internet, a amostragem aos jornalistas de muitas produções, sobretudo as de maior orçamento, tende a acontecer, não com a antecedência de várias semanas, que chegou a ser praticada, mas nas vésperas da própria estreia comercial (entre nós, a projeção de imprensa está marcada para terça-feira).
Ao longo de mais de uma década, Cameron trabalhou na fabricação de Avatar. Para ele, tratava-se, antes do mais, de desenvolver uma história, algures entre a aventura fantástica e a fábula de celebração das maravilhas da natureza.
Vale a pena recordar que tudo acontece num futuro distante, meados do século XXII, em que os Na"vi, habitantes do planeta Pandora, estão ameaçados pelos interesses contraditórios suscitados pelo precioso mineral (unobtanium) que existe no seu habitat natural; as relações com os habitantes da Terra envolvem seres híbridos (Na"vi & humanos), cada um deles um avatar criado pela nova engenharia genética.
Face aos dramas que afetam os elementos naturais do nosso planeta, escusado será dizer que esta é uma história cujas ressonâncias ecológicas, se eram evidentes em 2009, adquirem em 2022 uma reforçada atualidade simbólica.
Para Cameron, os seus elementos espetaculares são, desde o primeiro momento, indissociáveis de uma ousadia técnica de que ele é, afinal, um pioneiro tão importante no entertainment do século XXI como foram os cineastas do mudo ou aqueles que, nas décadas de 1920/30, deram vida aos primeiros filmes sonoros.
A infinita complexidade da tecnologia envolvida nas filmagens, montagem e pós-produção de Avatar poderá ser resumida através de um recurso dominante. Não exatamente o uso das imagens 3D, mas sim a chamada motion capure ou, quando aplicada ao trabalho dos atores, performance capture.
Encontramo-la em diversas produções dos últimos 20 anos, incluindo o King Kong, que Peter Jackson lançou em 2005 e, dois anos depois do primeiro Avatar, em As Aventuras de Tintin - O Segredo do Licorne, de Steven Spielberg. Este último, apesar de fascinante, terá contribuído para alguma retração face às suas aplicações, já que o impacto nas bilheteiras foi claramente inferior às expectativas da indústria.
Na prática, é preciso começar por filmar o trabalho dos atores em estúdio -- na maior parte das sequências, os cenários são totalmente virtuais e "inseridos" na pós-produção -- de modo a obter imagens que vão ser tratadas por computador, gerando personagens digitais. Tais personagens são a base de um novo "corpo" que pode ser manipulado de muitas maneiras, desde a cor da pele até ao guarda-roupa.
Nestas peculiares tarefas de representação, iremos encontrar em Avatar: O Caminho da Água vários atores do primeiro filme, incluindo Sam Worthington, Zoe Saldaña e Sigourney Weaver, a par de novos intérpretes como Kate Winslet, Cliff Curtis e Edie Falco.
Segundo o próprio Cameron, o desafio mais complexo, também mais decisivo, do novo filme decorre daquilo que o próprio título sugere. A saber: a aplicação dos recursos e efeitos da motion capture nas sequências aquáticas. Nesse processo, foi importante a integração no plano de produção do novo Avatar da empresa neozelandesa Weta Fx, de que Peter Jackson foi um dos fundadores, em 1993, vindo a revelar-se fundamental na conceção visual da trilogia de O Senhor dos Anéis (2001-2003).
Avatar: O Caminho da Água será, assim, um título vital para os 20th Century Studios (antiga Fox, desde 2019 integrados no império Disney). O investimento artístico e financeiro de um projeto desta dimensão -- algures entre 350 e 400 milhões de dólares, segundo a imprensa especializada dos EUA -- corresponde, afinal, a apenas uma parte do empreendimento: Cameron apostou numa tetralogia, com Avatar 3 (já em grande parte filmado) e Avatar 4 previstos para 2024 e 2026, respetivamente. Se tudo correr bem, poderá haver ainda um quinto filme, em 2028.
O que está em jogo será, em última instância, a capacidade de mobilização de espectadores, contrariando um afastamento das salas que, nos últimos anos, foi agravado pelos efeitos conjugados da pandemia e do crescimento exponencial das plataformas de streaming. Nessa medida, seja qual for a nossa avaliação, Avatar: O Caminho da Água tem já um lugar na história do cinema do futuro.
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