Áustria. Chegar e reviver

Mala de viagem (13). Um retrato muito pessoal da Áustria
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Os meus 50 anos de vida foram cumpridos em Viena. Apesar de comemorar esta conta redonda, viajei sozinho. Três semanas antes, dera-se a separação conjugal. Por isso, esta visita teve sentimentos contraditórios. Valorizei apenas aquele que me faria manter vivo e desfrutar de uma cidade fascinante e bela, tal como a beleza da rececionista do K+K Palais Hotel, que com o seu sorriso de olhos amendoados me dava os bons dias, que começavam sempre bem. Viena é a cidade onde o esplendor imperial e o estilo de vida atual e moderno se aliam ao bem-estar e à elegância. A 1 de julho, o almoço foi na Demel e o jantar no Fabios. A rua é a mesma, a Kohlmarkt, a mais afamada, comercialmente falando. A confeitaria Demel não serve, apenas, para fotografar e sair. É inevitável comer, tal como aconteceu com tantas e tantas gerações desde 1786, incluindo o imperador Franz Joseph e sua mulher, a imperatriz Elisabeth, mais conhecida por Sissi, porque a casa foi fornecedora da Corte Imperial e Real. Na Demel, não há espera para conseguir uma mesa. À volta, delícias da pastelaria estão prontas a preencherem as lindas embalagens para levar para casa, ao gosto requintado da decoração dos espaços e da arte de bem-servir. A cozinha é uma espécie de aquário para o visitante ver a confeção dos produtos divinos. O bolo de chocolate é o "Bolo da Casa", no meio de uma panóplia de formas e cores que fazem o regalo dos olhos. O bolo, não muito doce, teve de esperar para o final da refeição daquele almoço aniversariante. A mesa foi no primeiro andar, no piso onde, desde 1972, houve o Clube 45, um espaço de reunião da alta sociedade vienense. A refeição foi farta, mas no final da tarde já houve apetite para o jantar. Nesta outra circunstância gastronómica, a ementa do Fabios apresentava "gnocchi di patate", "ravioli al tartufo nero", "mussarela de bufala", "filetti", "risotto", entre muitas outras receitas italianas. No interior, o restaurante tem um desenho luxuoso, couro elegante, a madeira escura e as luzes difusas, mas fiquei a apreciar o movimento de início de noite, optando pela esplanada. O Fabios é um dos restaurantes mais sofisticados da cidade. Como sofisticada é a cidade, dos palácios ao café que faz parte da cultura vienense. Não é à toa, então, que a bebida tem o seu próprio vocabulário especializado. E só para complicar as coisas, algumas opções no cardápio são mais ou menos exclusivas da cidade. Não devemos pedir "um café", mas um daqueles específicos que estão escritos. Foi o que fiz no final do jantar, antes da bonita conta, mas bem merecida. Afinal, só se faz 50 anos uma vez na vida. Nenhum outro país da Europa se pode vangloriar de uma cultura cafeeira tão tradicional como a Áustria, a meio caminho entre o Ocidente e o Leste. Pelo menos aqui, para um português, não há a ansiedade por um café. De volta a casa em Lisboa, parece que nem o café sobrou, do roubo perpetrado. O meu coração, ainda assim, estava cheio de Viena, e aguentou, mas com vontade de voltar e nunca mais regressar a Portugal.

Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.

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