Austrália, a papa-medalhas
Tem mais cangurus do que gente, ganha mais medalhas do que todos. Também neste ano, no Rio de Janeiro, lá está a Austrália de novo entre os dez países mais medalhados. Desde os Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992, que termina sempre nessa elite. E já chegou mesmo a ocupar o quarto lugar no medalheiro, por exemplo em 2000, quando Sydney acolheu os Jogos e os atletas australianos competiram perante o seu público.
Calcula-se que existam mais de 30 milhões de cangurus na vastidão australiana. As contagens são feitas por helicóptero. Já o censo é bem preciso quanto à população: 23 milhões de pessoas. E como os Jogos do Rio vão a meio, olhemos para o medalheiro dos de Londres, em 2012. Com 37 medalhas, a Austrália garantiu uma por cada 600 mil habitantes. A título de comparação, os Estados Unidos ganharam uma medalha por cada três milhões, a China uma por cada 15 milhões.
Sem exagerar nas contas, e regressando ao medalheiro dos atuais Jogos, entre os dez países mais vitoriosos, o único com menos de 50 milhões de habitantes é a Austrália. Percebe-se o rácio impressionante de medalhas por habitante, só ultrapassável pelas admiráveis Hungria e Cuba ou por pequenas nações como a Jamaica, em que um super Bolt chega para distorcer qualquer cálculo. Já as medalhas australianas, mesmo que bastantes se devam à natação e outros desportos ligados à água, são de muita gente, em várias disciplinas.
Chegados aqui, sublinhemos que o sucesso australiano nos Jogos Olímpicos não tem que ver com disputas de protagonismo entre superpotências, como durante a Guerra Fria entre os Estados Unidos e a União Soviética ou hoje entre americanos e chineses, nem com rivalidades como a que opunha as duas Alemanhas. Resulta, sim, de uma sociedade avançada onde o desporto não só é praticado como apoiado e admirado.
Mas mais relevante ainda: é a social-democracia que a Austrália começou a construir em meados do século XIX, quando era ainda uma colónia britânica, que está na base das conquistas olímpicas. Depois da corrida ao ouro, que trouxe prosperidade a um país nascido como lugar de desterro, os trabalhadores impuseram as oito horas diárias e passaram a prezar o lazer. E daí ao desporto foi um pequeno passo, contam os livros de História. Em paralelo, uma sociedade muito mais igualitária do que a metrópole foi surgindo e quando a Austrália se emancipou em 1901 já tinha dado direito de voto aos homens (universal a partir de 1850) e às mulheres.
Hoje, este país que tantas medalhas ganha é um belo exemplo de construção de uma sociedade multicultural, na qual a mobilidade social existe. Segundo a ONU, é o segundo país mais desenvolvido, mas se a líder Noruega não tivesse um rendimento per capita tão inflacionado pelo petróleo a Austrália seria a sociedade número um. E essa é a mais valiosa das medalhas.