Aurea: "Quis sair da zona de conforto sem deixar de ser eu própria"
Foi com uma sonoridade soul clássica, inspirada em nomes como Otis Redding ou Aretha Franklin, que se deu a conhecer e se tornou uma das maiores estrelas da música nacional. Agora, quatro anos depois do último registo de originais, Soul Notes, decidiu sair da sua zona de conforto para se reinventar. Rumou até Las Vegas, nos Estados Unidos, onde trabalhou com a lendária baterista Cindy Blackman e o não menos consagrado baixista Jack Daley, secção rítmica de gente como Lenny Kravitz ou Joss Stone, que assinaram também a produção de Restart, um disco mais assumidamente pop - sem perder a "alma" de sempre.
Este Restart é mesmo um recomeço?
É, sem dúvida. Foram quatro anos sem editar nada, houve muita coisa que aconteceu nesse período, a nível profissional e pessoal. Muitos capítulos, como digo nos agradecimentos deste disco, que se encerraram e outros que se iniciaram. E é por tudo isso que olho para este novo disco e sinto que estou a começar tudo do zero, outra vez.
O que a levou a isso? Porque é que sentiu essa necessidade de cortar com o passado?
Não é propriamente um corte, penso é que a própria vida me levou a isso. Tive mesmo essa necessidade, porque a determinada altura fui obrigada a parar. As coisas menos boas ficaram para trás e o que interessa é avançar e pensar no futuro. Mas, como se costuma dizer, há males que vêm por bem e, de certa forma, estes quatro anos foram muito importantes para respirar e procurar novos caminhos. Queria fazer coisas diferentes, com pessoas diferentes.
Sentia-se presa, era isso?
Não, porque todos os meus trabalhos anteriores, que adoro, fazem sentido no seu tempo. Mas todos sentimos necessidade de avançar para não nos viciarmos na rotina. E foi daí que surgiu esta vontade de encontrar uma sonoridade diferente.
Daí também a escolha da Cindy Blackman, para produzir o disco?
Sim, sem dúvida. Já conhecia o trabalho dela com o Lenny Kravitz e com a Joss Stone.
Como é que ela surge neste processo?
Cheguei a ela através do meu manager, João Pedro Ruela, que já a conhecia e me sugeriu o nome dela. Pesquisei um pouco e fiquei encantada com o trabalho dela. Falámos com ela, enviámos-lhe o disco e ficou logo interessada em trabalhar connosco. Na altura a Cindy estava muito ocupada com a digressão do Lenny Kravitz e para além disso tem também um projeto a solo, mas mesmo assim conseguiu encaixar ali algum tempo para trabalharmos.
E como foi depois o trabalho com ela?
Foi ótimo. Fui para Las Vegas, onde fiquei num hotel que tinha o estúdio por baixo, portanto era só levantar-me, tomar o pequeno-almoço e começar logo a trabalhar. Conheci muito pouco de Las Vegas [risos], mas só o facto de estar ali, a trabalhar naquele ambiente, foi muito especial. Mal cheguei já estava tudo preparado para começarmos a gravar. Quanto à Cindy, só posso dizer que é uma pessoa maravilhosa, para além de uma grande baterista, supervirtuosa e criativa. E também tive muita sorte com os músicos que me calharam, todos eles habituados a trabalhar com os melhores, como o Jack Daley, que para além de tocar baixo ainda participou na produção do disco. Foi uma experiência bastante enriquecedora, aprendi muito. Até a forma como gravámos foi diferente, com todos os músicos a tocarem ao mesmo tempo, como se fazia antigamente. E tudo isso se sente no disco, que acaba por ter um som mais orgânico, quase ao vivo, como se fosse um concerto.
Sentem-se também algumas mudanças no estilo musical, que vai agora muito para além da soul clássica dos discos anteriores. Como foi o processo de composição? Este é também o primeiro trabalho em que assume as funções de compositora, correto?
Sim, há mesmo um tema, o Too Old Too Soon, no qual compus a parte musical e também escrevi a letra, em parceria com o Guilherme Marinho e o Rui Ribeiro. Juntámo-nos os três, fizemos tudo de início, com eles a perguntarem-me o que estava a sentir e o que queria dizer. Foi um processo criativo muito interessante, que me abriu o apetite para o voltar a fazer mais vezes no futuro. É um disco que tem uma sonoridade um bocado diferente, reconheço, no qual a presença do Rui faz um pouco a ligação com os discos anteriores.
É diferente para si, enquanto intérprete, cantar aquilo que se sente e escreve, como acontece no Too Old Too Soon?
É e eu não tinha noção disso, apesar de já me dizerem há muito tempo para escrever e compor. Dizia sempre que não, porque nunca me vi como compositora e o Rui faz esse trabalho muito bem. Mas acabou por ser ele a mudar tudo, quando, logo no início, me disse que o processo de composição deste disco ia ser diferente. Ele tinha os instrumentais já preparados, mas ao contrário do habitual não tinha as melodias de voz e pediu-me para ser eu a criá-las. Fiquei em pânico, mas consegui fazê-lo e só depois disso foram escritas as letras. Mas com o Too Old To Soon percebi que quando as coisas nos saem diretamente do coração para o papel é completamente diferente. Porque é na primeira pessoa e isso torna tudo diferente.
Não tem receio de que esta mudança possa causar estranheza aos fãs?
Claro que sim. Será que vão gostar? Por outro lado, acredito que eles também o desejavam. Há muito que sentia que o público queria algo mais fresco. Quis sair da zona de conforto para fazer algo novo, mas sem deixar de ser eu própria.