"Aumento de impostos será inevitável e quase imediato"
A economia precisa de se ligada ao ventilador quanto antes. À conversa com Jaime Carvalho Esteves, que é membro da Comissão Executiva do Fórum para a Competitividade, destaca-se o sentido de urgência e de tempestade mais que perfeita.
O incremento da dívida será inevitável? Pública e privada? O incremento da dívida será transversal a avassalador. Do ponto de vista do Estado está a ser preparada uma política contracíclica que vai implicar uma explosão dos gastos públicos. Ora, como sabemos, estes eram já o problema nacional.
Do lado das empresas as dificuldades imediatas de tesouraria vão colocar um travão no cumprimento das obrigações, como assistimos no pico da crise anterior. Portanto, nem será tanto a dívida bancária que aumentará, mas a dívida por falta de cumprimento das obrigações assumidas que irá igualmente explodir, com enormes efeitos em cascata.
Depois de tudo isto passar, vem aí aumento de impostos?
As necessidades são de tal dimensão e urgência que eu diria que o aumento de impostos não só é inevitável, como será quase imediato. Isto, não obstante medidas de emergência de apoio à tesouraria, como dilação no pagamento de impostos. Ou seja, vamos ter medidas agilização do lado de cash flow, mas de endurecimento do lado da liquidação. Mas como a pressão é enorme é já altíssima e não deixa margem de manobra ao instrumento fiscal, o aumento da pressão na liquidação tributária, será um fator de liquidação do nosso debilitadíssimo setor produtivo.
Pode esta crise, provocada por uma pandemia, ser um detonador para o regresso do nacionalismo?
Não pode, já está a ser! Veja o fecho de fronteiras e a total falta de solidariedade entre antigos parceiros. Os tempos que se avizinham são realmente negros: estados nação de cariz absolutista com forte intervencionismo económico e financeiro, mais focados na concorrência internacional do que na cooperação. Teremos, agora sim, o Big Brother fiscal a surgir em todo o seu esplendor e magnitude. Apertem pois os vossos cintos de segurança.
A crise já tinha começado mas era quase tabu, a crise de valores há muito estava instalada. Agora, a Covid-19 pode criar um efeito de tempestade perfeita nos mercados e economias?
Precisamente. Usamos a expressão "tempestade perfeita" para descrever a situação dos mercados, por várias vezes, já durante este milénio. Mas a todos os fatores da tempestade perfeita que vivemos no passado (por exemplo, económicos, financeiros, monetários, sociais), soma-se agora o esgotamento dos instrumentos (mesmo, dos não convencionais), a fadiga das populações, o furor nacionalista e uma crise sanitária sem precedentes e, ainda, por explicar. Portanto, se as anteriores tempestades eram perfeitas, esta é mais perfeita do que aquelas. Ou dito de outro modo: as anteriores, afinal, não eram (ainda) tempestades perfeitas.
Moratórias fiscais mais alargadas para as empresas fazem sentido?
Naturalmente que sim. Nomeadamente do lado do cash flow, incluindo grandes empresas, pela dimensão dos efeitos diretos e induzidos que têm no mercado, incluindo no laboral. De qualquer modo, isso não é suficiente. Era necessário um desagravamento fiscal enorme e imediato. Acontece que, por não termos tratado da despesa pública em tempo e termos mantido a pressão fiscal anormalmente elevada, temos hoje uma quase impossibilidade de subir ou descer essa pressão fiscal. Portanto, ou temos apoio europeu, sincero e persistente (e não um apoio que seja cortado ou analisado criticamente no futuro), não teremos possibilidade de lidar com esta crise de modo adequado.
Moratórias para pagamentos dos créditos à habitação precisam-se?
Provavelmente sim. Mas veja de novo: ou a Europa apoia, ou as moratórias levarão a imparidades bancárias, falta de fundos, balanços em stress e, consequentemente, stress bancário, resgate das instituições, necessidade de mais fundos públicos, aumento de impostos, maior contração da economia. O que significa isto? Novas moratórias e a história recomeça, num círculo vicioso infernal.
Eliminação do IVA da eletricidade, já reclamado por muitos, faz sentido agora?
Agora não. Primeiro, não é tecnicamente viável. Depois é uma questão de cash flow e não de real custo (a maior parte das empresas deduz o IVA). Agora, temos de interromper maneirismos de país rico, como penalizações de certas fontes energéticas ou operadores e subsidiação de energias limpas. Estamos em economia de guerra. Não podemos desperdiçar recursos a limpar as armas.
Alguns analistas defendem que não sendo esta crise provocada pelo sistema financeiro, como a anterior, será mais fácil de ultrapassar. Concorda? Porquê?
Penso que, pelo contrário, será mais difícil pelas razões que referi a propósito de ser esta a tempestade perfeita e, afinal, não como as anteriores.