Aumentar a escala de decisão dos governos locais
A vida contemporânea pauta-se, cada vez mais, pela incerteza e imprevisibilidade da nossa vivência individual e coletiva. Nos últimos dois anos tivemos todos a prova disso com a pandemia à escala mundial que a humanidade enfrentou (enfrenta...) e, mais recentemente, a guerra na Europa, que dissipou quaisquer dúvidas que alguns ainda pudessem ter.
As consequências económicas e sociais da crise pandémica à escala global e local ainda estão longe de terminar, e - a menos que a guerra termine depressa - a escalada de preços da energia (acompanhada da falta de matérias-primas e outros bens) obrigará necessariamente a acertos no consumo e no investimento, tanto do lado dos agentes económicos, como das famílias e dos poderes públicos.
Hoje, mais do que nunca, a questão da resiliência das sociedades tornou-se uma preocupação real, que impõe uma nova maneira de vivermos em conjunto; de pensar as cidades; de perceber que temos de nos juntar para enfrentar o presente e o futuro.
Em Portugal, no contexto das Cidades, a escala da sua gestão tem de alargar-se, entre outros para garantir maior competitividade, atrair investimento e proporcionar mais mobilidade aos cidadãos (e mercadorias). Nomeadamente em metrópoles como Lisboa, no xadrez mundial, o território deve ser apresentado e gerido num contexto mais alargado, em que as decisões possam ter a dimensão, a eficiência e a eficácia úteis ao conjunto do seu ecossistema económico, ambiental, habitacional e, naturalmente, social.
Os exemplos "Passe Navegante" e, mais recentemente, o lançamento da "Carris Metropolitana", vieram demonstrar que é possível e benéfico concentrar na "grande Cidade" a tomada de decisões que, de outra forma, seriam impossíveis. E com ganhos evidentes, de uma assentada, para o ambiente, para a mobilidade e para o bolso dos cidadãos. Defenda-se ou não, por princípio, a ideia de regionalização, a gestão das cidades é mais útil em maior escala. Porque para as pessoas e para os agentes económicos e investidores (sobretudo internacionais), a renda de bilros que constitui a nossa regulamentação e fronteiras administrativas - a juntar à tradicional dificuldade de tomada de decisões, pela multiplicidade de pareceres distribuídos por uma miríade de poderes descentralizados do Estado, tantas vezes contraditórios ou incompreensíveis - só não é indiferente porque dificulta (impede mesmo) investimentos e decisões que poderiam ser importantes.
Há por isso, sim, um debate sério a fazer quanto ao papel dos governos locais, seja relativamente à dimensão dos seus poderes e meios, seja quanto ao seu desenho no conjunto do território nacional. No caso das Áreas Metropolitanas, seguramente, aproveitando a evidência que se conseguiu com a mobilidade, cujo exemplo pode e deve ser alastrado a outras dimensões da vida coletiva.
Última nota, interessante: a opção do Governo em juntar, numa única Secretaria de Estado, a responsabilidade pela Energia e pelo Ambiente. Estão, de facto, interligados. Deposito confiança nesta opção e esperança na ação que venha a proporcionar por parte do Estado. A criação de Bio-Clusters entre indústrias e logística, reduzindo impactos e faturas energéticas e ambientais, que há tanto defendo, poderá (e deverá) ficar facilitada. O incentivo à economia circular pode incrementar-se, gerando empregos e melhorando a prestação ambiental do aparelho produtivo. Desde que os organismos responsáveis pelo ordenamento do território também percebam a sua vantagem estratégica para a resiliência das nossas Cidades, claro.
Acredito que as novas gerações estão preparadas pera estas e outras discussões e decisões, que se impõem, com cada vez mais evidência, clarividência e urgência, nas sociedades contemporâneas. Para além da espuma dos dias.
Presidente da Câmara de Vila Franca de Xira