Augusto Santos Silva

<p>Os protagonistas da actualidade são semanalmente convidados para uma grande entrevista onde respondem às perguntas do Diário de Notícias e da TSF. Da Política à Economia, do Desporto à Sociedade, todos os entrevistados que realmente contam no espaço público são aqui chamados.</p> <p>Com João Marcelino (DN) e Paulo Baldaia (TSF).<br />Na edição de Domingo do DN, e na TSF Domingo, às 11h10.</p>
Publicado a
Atualizado a

Ministro dos Assuntos Parlamentares de José Sócrates (e que foi da Educação e da Cultura com António Guterres) irrita-se com as questões sobre Manuel Alegre. Chega a perguntar se "a entrevista é isto?". Ex-apoiante de Alegre, é hoje um pilar do PS, tendo sido quem mais subiu na lista do secretário-geral para a Comissão Nacional. Aproveita para "malhar" na TVI e no 'Público'. Ou seja, completa o que Sócrates deixou inacabado no último congresso.

O PS acusa muitas vezes a oposição de não ter ideias e de cada vez que a oposição apresenta alguns projectos eles são criticados pela maioria. Não há nada que se aproveite nas propostas quer do PSD quer de outros partidos no Parlamento?

Sim. No último pacote que a dr.ª Ferreira Leite apresentou de 20 medidas para as PME, de que, aliás, depois ninguém mais falou, há algumas medidas que são boas. O único problema é que essas medidas não são originais - a dr.ª Manuela Ferreira Leite propôs o crédito fiscal ao investimento para a exportação semanas depois de o Governo ter aprovado um crédito fiscal para o investimento; a dr.ª Manuela Ferreira Leite propôs que houvesse um programa de regularização das dívidas públicas às empresas e nessa altura já estavam pagos 1500 milhões de euros de dívidas.
 
E as outras propostas, que não estão aplicadas ainda? Não há nenhuma, à esquerda ou à direita, que valha a pena discutir?

Há uma diferença essencial. Começando pela direita, a diferença essencial é que a linha política da actual liderança do PSD resume-se nesta frase: o Estado deve concentrar-se nas funções de soberania, todas as restantes funções serão mais bem entregues à gestão e à exploração privada. E há aqui uma diferença absolutamente essencial!

Há uma alteração desse discurso desde que a crise se acentuou - o PSD e os outros partidos da oposição têm apresentado propostas para combater a crise.

Vamos ver uma, podemos fazer o teste com uma. O PSD, como o CDS, o PCP, o Bloco de Esquerda, todos os partidos da oposição votaram favoravelmente aqui há um mês uma proposta vinda da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, que dizia isto: o Estado, no ano de 2009, deve cobrir, deve pagar, deve assumir 50% dos juros dos empréstimos à habitação, qualquer que seja o regime de crédito em que as pessoas estejam, qualquer que seja o nível de rendimentos que as pessoas tenham. Esta proposta tem três problemas: o primeiro é de responsabilidade política. O segundo é um de responsabilidade orçamental: o custo desta proposta seria de três mil milhões de euros só este ano, qualquer coisa como 1,5% do PIB. Um terceiro problema, que é o principal do ponto de vista da esquerda democrática, em que me situo, é que trataria o rico e o pobre por igual. Isto é, beneficiaria mais os ricos do que os pobres.

E, corrigidos esses problemas, essa proposta não podia fazer caminho?

Se essa proposta fizesse caminho, o défice orçamental em Portugal passaria imediatamente dos 3,9% previstos para 5,4%! Se esta proposta fizesse caminho, se eu tivesse um empréstimo de 1000 euros, o Estado pagava-me 500, mas se eu fosse um desgraçado que só tivesse um empréstimo de 200 euros, o Estado só me pagaria 100!

Mas com as correcções de que estamos a falar, ou seja, apoiando apenas aqueles que tivessem mais necessidades desse apoio.

Ora bem! As boas ideias não são originais. O que é que a Assembleia da República já aprovou em 2008, com efeitos já em 2008 e agora também repercutidos no Orçamento para 2009? Aprovou a majoração das deduções com os empréstimos à habitação para os escalões mais baixos de rendimento. As pessoas que estão taxadas nos primeiros escalões do IRS já em 2008 tiveram um aumento de 50% nas deduções que podem fazer com os empréstimos à habitação.

E os outros, a classe média que precisa também de apoios?

Mas é esta a classe média!

Os escalões mais baixos não são classe média.

São! Os mais pobres em Portugal nem sequer pagam IRS, cerca de metade das famílias. Portanto, sempre que nós mexemos no IRS, estamos a favorecer as classes médias. Aliás, a nossa proposta para o próximo mandato, de mexer nos esquemas de deduções para redistribuir melhor no interior das classes médias, é uma proposta que, justamente, usa a política fiscal onde ela deve ser usada.

O primeiro-ministro considerou que, não sendo ricos - quem ganhe um ordenado de cinco mil euros não é rico -, é classe média. E, portanto, na óptica dele….

Não, não foi isso que ele disse. Ele limitou-se a dar o seu próprio exemplo. Quando nós falamos em rendimentos muito elevados, estamos a falar de rendimentos do trabalho, rendimentos das pessoas singulares, e não estamos a falar certamente de rendimentos de 1000 ou 2000 euros mensais. Mas um rendimento que equivale, por exemplo, à remuneração bruta do primeiro-ministro, ou dos ministros, à escala portuguesa, já é um rendimento em relação ao qual se pode dizer: "Bom, a estes vamos permitir menos deduções para podermos permitir mais deduções aos funcionários administrativos de uma escola." É disso que estamos a falar.

Vamos voltar, globalmente, às medidas do Governo. Acha que estas medidas que o Governo já tomou são suficientes para ajudar os portugueses a passar as dificuldades que estamos a viver, ou ainda vão ser precisas mais?

Na conjuntura presente, são. Aliás, as medidas que o Governo português toma são medidas que toma coordenadamente com os restantes Estados membros da União Europeia. Agora, também gostaria de ser muito claro sobre este ponto: nós ainda não sabemos a evolução da crise económica internacional e os seus efeitos sociais, e a União Europeia tem que estar preparada para, a qualquer momento, saber responder com novas medidas, novos planos, um reforço da acção pública se isso se revelar necessário.

E admite que, no limite, isso pode pôr em causa o défice de 3,9% de que há pouco falava e que também já foi revisto em alta depois destas medidas que foram tomadas recentemente?

Nós temos aproveitado sempre todas as margens de manobra que temos. Portugal teve, nos últimos anos, dois procedimentos por défices excessivos - portanto, a questão da consolidação orçamental é essencial do ponto de vista da credibilidade e do financiamento externo do Estado português e dos cidadãos portugueses e das suas empresas. Mas as margens de manobra que vamos tendo devem ser aproveitadas para o que é preciso fazer: apoiar o emprego, ajudar as famílias, apoiar as empresas. Nós tivemos primeiro a possibilidade de passar dos 1,5 que tínhamos previsto para 2009 no Programa de Estabilidade e Crescimento para 2,2. Depois, tivemos a possibilidade de fazer subir esse valor, que hoje, na nossa previsão, se situa na ordem dos 4%, 3,9%, é o défice previsto para este ano.

Não acredita que vai ser preciso um pouco mais para fazer face às medidas que será preciso tomar?

Neste momento, nestas circunstâncias, nós trabalhamos com esse referencial. Sendo certo que há outros Estados membros que estão em situação, do ponto de vista orçamental e social, pior que a nossa. Para a semana há um conselho europeu, depois em Junho haverá outro conselho europeu, e nós todos, na Europa e no mundo, temos que estar preparados para saber responder à medida que a crise for evoluindo. Se a recuperação demorar mais do que hoje se prevê, se a crise se acentuar, porque não parece ainda ter já invertido a curva descendente e começar a curva em U…

Portanto, o combate ao défice terá de ser posto na gaveta nos próximos tempos?

Não é isso que eu digo. O que digo é que o Programa de Estabilidade e Crescimento, que é o nosso referencial na União Europeia para as questões de consolidação orçamental, tem estas duas palavras: estabilidade, monetária e orçamental, e crescimento. E o crescimento não pode ser sacrificado à estabilidade!

E foi, no passado recente?

Se nós virmos a evolução do Banco Central Europeu, essa evolução mostra bem como a própria realidade das coisas foi forçando as autoridades monetárias a fazer uma coisa a que elas começaram por resistir, que foi usar mais a política monetária para incentivar a economia. E aí o Banco Central Europeu até foi mais lento do que foram a Reserva Federal Americana ou o Banco de Inglaterra. Portanto, nós estamos a viver uma crise mundial como nunca se viveu, por exemplo, na minha geração, que é a geração posterior à Segunda Guerra Mundial. Estamos a viver uma crise económica mundial que tem paralelo na sua envergadura, na sua amplitude, com a crise dos anos 30 do século XX.
 
Em Junho vai haver eleições europeias. Acha que essa é uma primeira volta das legislativas?

Não, não. As eleições europeias são distintas das eleições legislativas.

O que é um bom resultado para o PS nessas eleições?

É ganhar.

Com maioria absoluta?

Não. Esse seria um óptimo resultado. O PS ganha se ficar um voto que seja à frente do segundo classificado, portanto, ganha se ficar à frente do PSD. Ou o PS ou o PSD, um deles vai ficar em primeiro lugar, imagino eu.

Se ganhasse por meia dúzia de votos, isso não significaria um inverter de situação em relação àquilo que tivemos há quatro anos, nas últimas eleições? Não é um sinal preocupante para o PS?

Não. O PS apresenta-se às eleições europeias, e o objectivo é ganhá-las. Ganhar é ficar à frente. Porquê? Porque as eleições europeias não são para um órgão executivo, nós não dizemos: "É preciso uma maioria para garantir a estabilidade."

Estas eleições funcionam, muitas vezes, como um cartão amarelo ao Governo…

Eu estou a responder, com a sinceridade e a ingenuidade que me caracterizam, à pergunta colocada. Não estou a fazer nenhuma coisa maquiavélica para desgraduar os objectivos, "ah, um membro do Secretariado Nacional do PS vem afinal pôr já água fria… eles estão com medo, ele já só está a dizer que basta um voto de vantagem para ganhar"… Não, não é esse exercício que estou a fazer! Estou a responder apenas com toda a sinceridade que é meu apanágio. Perguntam-me o que é ganhar - ganhar é ficar à frente do outro, ao contrário do que sucede nas eleições legislativas, em que se põe a questão da escolha e também as condições da governação. A questão da estabilidade política, a questão da maioria, é uma questão absolutamente vital do ponto de vista das eleições legislativas. Não o é na Europa. Mas as eleições europeias vão ser eleições muito claras, porque o PS vai na sua lógica de defensor do modelo social europeu, da integração europeia, da União Europeia, da Zona Euro, da participação dos países europeus na NATO, etc. O Bloco de Esquerda acha que a Zona Euro é a razão da crise. O PCP acha que a União Europeia é uma organização militarista e imperialista, estou a citar!

O senhor também já achou, na sua juventude, essas coisas. Quando militava nos movimentos trotskistas…

Só que nessa altura não havia União Europeia! (risos) É preciso compreender bem o trotskismo, ao contrário de outros, cuja…

Não vamos maçá-lo com isso.

Não é maçar nada, é porque é muito importante! Quando eu era novo - estão a falar de coisas que na minha idade significavam 16 anos, 17, 18, finalista de liceu, caloiro na universidade -, o País vivia à esquerda e à extrema-esquerda. E muitos dos meus amigos tinham uma palavra de ordem: "Estaline está vivo nos nossos corações." Eu, como nunca gostei de Estaline, o que noto é que para a grande maioria deles Estaline deixou de estar vivo nos seus corações, mas nas suas cabeças, na sua maneira de pensar, naquela lógica de "quem não está comigo está contra mim", aí Estaline continua bem vivo em algumas cabeças.

Conheceu Francisco Louçã quando andava nesse meio?

Não, ele era de Lisboa. Eu fazia parte de uma pequena organização, chamada Comités de Acção Milicial, e logo a seguir ao 25 de Abril deixei a organização trotskista, já expliquei isso muitas vezes: uma pessoa amiga, e a quem eu nunca agradecerei o suficiente, fez o favor de me emprestar um livrinho que explicava como é que o Trotsky tinha comandado o massacre dos marinheiros de Kronstad, e eu fiquei curado, espero que para o resto da vida, de ícones políticos.
 
Passemos a uma área que tutela, a comunicação social.

Eu não gosto da palavra "tutela". À luz da Constituição…

Se nos quiser explicar qual é a outra palavra, para que as pessoas percebam...

Eu sou responsável pelas políticas públicas para a área da comunicação social.

Claramente, tutela a RTP, a Antena 1, a Lusa.

Sim.

Muitas vezes, os governos são acusados, no âmbito dessa tutela, de se imiscuírem em questões editoriais. Alguma vez falou para algum director de algum desses órgãos de comunicação social, para pedir o que quer que fosse?

A sua pergunta tem sentido, mas teria mais sentido se lhes perguntasse a eles. Eu vou arriscar a seguinte afirmação, que é falsificável - se a minha afirmação for mentira, isso é muito fácil de verificar. Evidentemente que falei com directores de Informação. Por exemplo, quando o José Alberto Carvalho tem o gesto de me cumprimentar na RTP, eu falo. Às vezes até, por graça, digo: "Olhe que nem posso cumprimentá-lo", mas falo, é verdade. Ou se encontro o director de Informação da Lusa em sítios públicos falo com ele. Agora, a minha afirmação, que é falsificável, que é verificável - pode ser verificado se eu estou a falar verdade ou não -, é que nunca, nem em 2001 quando tive a primeira vez esta área, nem agora, desde 2005 até 2009, nestes quatro anos, nunca tive a iniciativa de telefonar, escrever ou qualquer outra forma de comunicação com directores de conteúdos das empresas públicas de comunicação social para tratar de quaisquer matérias.

Preocupa-se com esses conteúdos, com o alinhamento editorial desses órgãos de comunicação, que estão na dependência do Estado?

Preocupo-me com o respeito pela lei, pelo Código Deontológico e pelo contrato de concessão.

O senhor, há pouco tempo, disse que merecia um pedido de desculpas por parte da RTP.

É verdade.

E teve-o logo a seguir. Isso deveu-se ao facto de ser um ministro da tutela?

Não sei, tem de perguntar. O que eu não admito é que ponham um som meu, que é verdadeiro, eu disse aquilo, com uma imagem que não corresponde àquele som. Essas maquinações, eu não admito. Acho que foi involuntário, o problema está encerrado.

Sentiu-se constrangido, de alguma forma, por esse episódio ser na televisão pública?

Qualquer que seja a televisão, pública ou privada. Não admito! É um direito que eu tenho, era o que faltava agora!

Independentemente de admitir ou não, teve o pedido de desculpas que queria.
 
Claro que não tenho essas preocupações com, por exemplo, o Inimigo Público, porque aí é um jornal satírico, ou com o Contra-Informação, nós sabemos que aquilo não é informação. Agora, órgãos de informação que fazem truncagem, que, através de mecanismos de fotomontagem, nos põem nos sítios onde nós não estávamos, fazem montagens de fotografias… Eu acho que todos os cidadãos, incluindo os dirigentes políticos, devem ter o direito e o dever de não tolerar estas circunstâncias. E, portanto, quando, até por acaso, eu estava a ser entrevistado num jornal televisivo da RTP e pude assistir em directo à violação do segredo de justiça com a publicitação de uma carta rogatória que estava em segredo de justiça, denunciei imediatamente. E esse meu direito e dever, eu também não abdico dele. Seja a RTP, seja a TVI, seja a SIC, seja um qualquer.

Para si, o quinto canal em sinal aberto é para esquecer, pelo menos por agora? É preciso esperar?

Não. Nós fizemos o que nos competia com toda a lisura e transparência. Como tenho dito insistentemente, não sou salazarista e, portanto, não acredito no condicionamento industrial. Não compete ao Estado travar administrativamente a evolução do sector da comunicação social ou de qualquer outro sector. A TDT permite mais canais em sinal aberto. Nós fizemos uma consulta pública e apareceram interessados, operadores que disseram: "Nós estamos interessados em ter presença televisiva." E apareceram outros operadores, que estão no mercado, que disseram: "Nós estamos interessados em aproveitar o espectro para emissões de alta definição." E nós tomámos uma decisão que permite mais alta definição e mais um canal. O concurso foi aberto, apresentaram-se os candidatos, o concurso está a decorrer, não tenho nada a dizer.
 
E admite que a conjuntura económica não seja de molde a que venha daí alguma coisa que depois se materialize?

Eu percebo e compreendo esse argumento. Mas faço notar que nós estamos a tratar de um concurso para uma licença de 15 anos. E os operadores, quem ficar com a licença, tem um ano para iniciar as actividades. Nós não estamos a falar de coisas que vão acontecer em 2009 e 2010. O argumento de que hoje se vive uma grande crise, que é verdadeiro, não é um argumento que me chegue para dizer: "Daqui até 2024 não há televisão…"

O Governo está preocupado com a situação financeira dos grupos de comunicação social?

O Governo está preocupado com a situação financeira da economia portuguesa, dos investidores portugueses, incluindo a comunicação social.

Mas fazemos esta pergunta específica a si por ser o responsável pela área.

Sim, mas o primeiro ponto que eu gostava de tornar claro é que hoje as empresas da comunicação social podem aceder a benefícios, a medidas do programa de apoio ao investimento, tal como as empresas de celulose ou quaisquer outras empresas.

Tem ideia de como, concretamente, está o negócio no âmbito das empresas de comunicação social da órbita do Estado? Quanto é que perderam, por exemplo, em Janeiro, em termos publicitários. Sabe?

Não sei, porque eu tenho informações relati-vamente aos relatórios e contas e aos planos de actividades. E, portanto, do que eu sei em relação a 2008, no caso da Lusa, a questão não se coloca. A Lusa tem desde há vários anos resultados operacionais positivos, tem uma indemnização compensatória que está definida….

A Lusa está bem?

Está bem.

Porque é que mudou, então, o administrador executivo da Lusa?

Pelas lógicas de regulação habituais e legítimas. O actual administrador executivoé-o desde 2004 e eu tenho seguido a política de ter um mix, uma combinação de estabilidade e de alguma renovação. E a passagem de um dos actuais administradores não executivos a administrador executivo pareceu-me uma solução muito razoável. No caso da RTP, a RTP teve, naturalmente, menos receitas publicitárias nos últimos meses de 2008, tem resultados operacionais positivos desde o dr. Almerindo Marques, é uma grande mudança na televisãopública. Esses resultados operacionais positivos estão a ser prosseguidos também pela actual administração, sendo que a RTP tem, ao contrário da Lusa, um passivo financeiro importante e os resultados financeiros ainda são negativos. E por isso é necessário ir recapitalizando a empresa.

Está a esquecer-se da RDP, que também consome o dinheiro dos contribuintes.

Não, não. É que a RTP de que eu falo é a Rádio e Televisão de Portugal.


"COMOVE-ME VER OUTROS PARTIDOS A SEGUIR O CASO MANUEL ALEGRE"


Manuel Alegre, para ser coerente, devia sair do PS?

Pelo contrário! Manuel Alegre faz falta ao PS. A casa política do Manuel Alegre, do meu ponto de vista, é o PS.

Ele está a negociar com o PS?

Não faço ideia.

Ele diz que sim. Deu uma entrevista ao Expresso e não foi desmentido - portanto, partimos do princípio de que sim. Alegre disse no Expresso que pede mudanças de política ao PS e ao Governo, para estar ao lado do PS nas próximas legislativas. Acha que poderá haver alterações na linha política do PS, a pedido de Manuel Alegre?

O PS acaba de definir a linha política no congresso.

Mas ele concretizou, tem áreas muito claras em que queria ver alterações.
 
Eu não reconheço a nenhum membro do PS, começando pelo secretário-geral e acabando no mais humilde dos humildes dos militantes, o direito de dizer "eu quero decidir a linha política do PS". Reparem na minha precisão. O primeiro-ministro tem competências próprias, pode remodelar-me e eu sair daqui e já estar a remodelar, é uma das suas competências. O primeiro-ministro é um caso diferente. Agora, o secretário-geral do PS é um órgão de direcção de um partido político, isto é, de uma organização de cidadãs e cidadãos, que tem os seus órgãos próprios para definir a linha política. Há-de haver uma comissão política para definir o programa eleitoral…

Portanto, estranha que o Manuel Alegre dê uma entrevista a pedir alterações da política?

Não, não! Eu próprio também tenho pedido que o PS…

Mas que faça depender o apoio ao PS dessas alterações...?

Eu não estranho nada, é muito difícil surpreenderem-me. Como democrata que tento ser, e membro de um partido democrático, sei como é que funcionam os partidos democráticos. Na fase em que nós estamos, quanto mais ideias melhor! Se quiserem discutir, por exemplo, o financiamento do Serviço Nacional de Saúde, a avaliação de professores, o Código do Trabalho, estou plenamente disponível!

Só queríamos saber se se revê nas críticas de José Lello a Manuel Alegre?

Há uma frase muito engraçada do presidente norte-americano Truman que diz: "Quem não gosta de calor não deve estar na cozinha." Isto é, nós, quando falamos, às vezes excedemo-nos. Eu tenho por princípio procurar não me exceder na linguagem, mas às vezes sucede-me, como é público e notório. No calor de um debate, ou de uma intervenção, de uma entrevista. E procuro nunca fazer apreciações de natureza pessoal e muito menos moral. Eu acho que, aliás, essa questão está completamente superada. Todos nos conhecemos há anos suficientes para saber que todos nós podemos ter deslizes. Estando na cozinha, estamos sujeitos ao calor.

José Lello teve um deslize?

Eu não queria tornar-me juiz dos outros. Eu não uso esse tipo de apreciações e sempre que uso e dou por ela, corrijo imediatamente.

Manuel Alegre, em declarações à Antena 1….

Mas isto é uma entrevista?!... É que eu já esclareci tudo o que tinha a esclarecer! A vida política portuguesa…

Alegre fez declarações à Antena 1 em que diz que ou a direcção do PS se demarca de José Lello ou não vai poder contar com ele. E a questão de contar ou não contar com Alegre é importante para o PS. Portanto, é importante para os leitores do Diário de Notícias e para os ouvintes da TSF. A não ser que o incomode falar de Manuel Alegre e mudamos já, a seu pedido, de tema.

A mim não me incomoda nada, mas devo dizer que me perturba um bocadinho que, com as dificuldades que o mundo passa, e o País passa, e a necessidade de nós confrontarmos as respostas que as várias forças e as várias pessoas têm para as enfrentar, percamos tanto tempo com esta matéria. Que, do meu ponto de vista, está resolvida.

Mas há aqui uma questão política de fundo. Acha essencial que o equilíbrio do PS não se quebre com a saída de Manuel Alegre ou com qualquer outra pessoa, é isso?

Os senhores, que são observadores privilegiados e competentíssimos da vida política portuguesa, certamente notarão esta realidade muito interessante; neste momento, em Portugal, o pressuposto da acção política dos partidos, que não o PS, é este: ou o PS tem maioria absoluta ou tem maioria relativa, " nosso objectivo é tirar a maioria absoluta ao PS". O dr. Paulo Portas diz isso a quem o quer ouvir, o dr. Louçã….

Mas isso faz parte...

Sim! O que eu acho interessante é que já não se discute assim: "Eu tenho umas propostas e estou certo que o eleitorado vai subscrevê-las, como as minhas propostas são boas o eleitorado vai votar em mim."

Isso à esquerda?

Não, à esquerda e à direita!

A dr.ª Manuela Ferreira Leite fez declarações esta semana dizendo claramente que conta ganhar as eleições, que tem propostas…

O que eu disse foi que o dr. Paulo Portas, o dr. Louçã e o deputado Jerónimo de Sousa dizem isso explicitamente. Nessa matéria, comove--me o enlevo com que a direita e a extrema-esquerda procuram acompanhar este caso interno no PS. Eles julgam que o trabalho que, manifestamente, não conseguem fazer - retirar a maioria ao PS - pode Manuel Alegre fazer por eles. Mas eu estou certo de que Manuel Alegre, se bem o conheço, não o fará por eles.

"NÃO VI UNANIMIDADE NO CONGRESSO DO PS"

No congresso, o PS declarou-se unido…
 
Unido e plural!

… Mas bastou uma semana para se perceber que a questão de Manuel Alegre não está resolvida, portanto, essa união tem aqui, pelo menos, uma pedra no sapato…?
 
Do ponto de vista do PS, está resolvida! Nós teremos todo o gosto em contar, como sempre, com Manuel Alegre. É apenas uma decisão dele.
 
Como o senhor dizia recentemente, quem não está bem no PS deve sair…

Não, não foi isso que eu disse.

O que é que disse então?

O que eu disse foi, e falando na primeira pessoa: se eu não estiver de acordo com o programa eleitoral que o PS vai apresentar, não serei candidato pelo PS a deputado.

Presume-se que espera que os outros façam o mesmo?

Essa é a minha vinculação básica. Eu candidato-me em função de um programa eleitoral. Não quer dizer que eu tenha de estar de acordo com todas as 3223 medidas que lá estão.

O senhor está de acordo com esse programa. Espera que o seu camarada Manuel Alegre também esteja?

Sim, estou. Porque o processo de elaboração do programa do PS não é feito entre quatro paredes por duas pessoas, ou três, ou quatro. É feito participadamente, e estou certo de que todos os militantes do PS, em particular as suas maiores figuras, participarão nesse debate. E, portanto, vão ter a possibilidade de se rever no essencial desse programa.

Gostou da unanimidade que viu no último congresso à volta do seu secretário-geral?

Não vi unanimidade. Vi duas listas, vi três moções de estratégia apresentadas, vi duas listas à Comissão Nacional…

E também viu 96,4% dos votos no secretário-geral…?

Só vi uma candidatura a secretário-geral.

Mas viu que a moção do líder foi aprovada com apenas um voto contra?

Mas nós devemos crucificar o líder por isso?

Gostou mais do que se passou agora, em 2009, ou em 2004, quando o senhor apoiou Manuel Alegre para candidato a secretário-geral do PS contra José Sócrates?

Achei ambos muito importantes. O debate de 2004 foi decisivo para a evolução política e ideológica do PS, do qual saiu uma excelente ideia política. Sou insuspeito porque a contestei na altura, o plano tecnológico, mas a direcção saída do congresso, em particular o secretário-geral eleito, José Sócrates, soube também integrar ideias apresentadas noutras moções, designadamente naquela que eu subscrevi, a ideia da reforma do Estado social para a sua sustentação.

Portanto, esse processo foi mais entusiasmante politicamente?

Não é isso que digo. São ambos importantes. Sou um bocadinho cerebral, não vou muito em entusiasmos. Sobre a questão de o secretário-geral ter sido eleito por  maioria esmagadora e a sua moção também: o secretário-geral fez a opção, boa, de trazer para a elaboração da sua moção diferentes sensibilidades do PS. E nós conseguimos, falo em nós porque também participei, conseguimos construir um texto que, já de si, dava expressão suficiente a diferentes sensibilidades políticas do PS. Como é que a gente converge para a unidade? A partir da expressão das nossas sensibilidades.

E é uma moção que ajuda o PS a virar à esquerda?

Não, é uma moção que ajuda o PS a situar-se no terreno que é o seu, aliás, desde a fundação: o terreno da esquerda democrática, da esquerda europeísta. Vamos para as eleições europeias com a maior das tranquilidades, como diria uma personagem portuguesa célebre e bem competente, actual: vamos com a tranquilidade que vem de que o que nós temos para dizer nas eleições europeias é "cá estamos nós, o partido da Europa!" O partido que sempre defendeu a integração de Portugal na Europa, o partido que sempre defendeu a união europeia e o modelo social europeu. Há outros partidos que lá vão, por exemplo o PCP e o Bloco de Esquerda, que acham que a forma como está organizada a UE é que é a razão da crise mundial - eu acho que é a solução!

Há quem tenha visto no congresso do PS também medo. Edmundo Pedro precisou isso como o medo de perder os lugares nas listas. Viu isso?

O que eu tenho a dizer a qualquer camarada meu que tem medo de perder os lugares é apenas isto, de forma muito simples: não é por dizerem ámen que têm lugares, que fazem parte das listas. Farão parte das listas se forem as figuras capazes de protagonizar as ideias do PS, ocuparão cargos públicos de nomeação política, seja nas autarquias, nas regiões autónomas, na administração pública, etc., se forem profissionalmente competentes. Portanto, se têm medo e não querem falar com o medo de perder o lugar, eu acho que estão a proceder muito mal.

"HÁ DUAS CAMPANHAS CONTRA JOSÉ SÓCRATES"

O senhor também acha que há directores de jornais e de televisões que perseguem o primeiro-ministro?

Sou mais frontal: acho que há pelo menos duas campanhas, a que a linguagem da ciência política costuma chamar - e bem - campanhas negras, conduzidas em Portugal durante o mês de Janeiro de 2009. Uma teve por protagonista uma televisão que se chama TVI, designadamente no seu Jornal Nacional da sexta-feira, que, do meu ponto de vista, viola sistematicamente os princípios constitutivos da profissão de jornalista e o Código Deontológico dos Jornalistas. E há uma campanha política - que, aliás, tem curso desde a Guerra do Iraque, desde 2003 - da actual direcção do Público contra a esquerda democrática. E não vale a pena tentar disfarçar operações políticas, não vale a pena disfarçar aquilo com jornalismo. Porque não é jornalismo!

Os jornais ou televisões terem uma posição não é igual a fazer uma campanha…

Não, eu registo duas coisas! Em primeiro lugar, a linha política. E verifico, no caso do jornal Público, que desde a Guerra do Iraque que houve uma inflexão evidente na linha editorial desse jornal, que se transformou num arauto do pensamento neoconservador e que depois tomou José Sócrates, a pessoa, José Sócrates, e a função, o secretário-geral do PS, como alvo sistemático de lógicas de suposto escrutínio pessoal que vivem das técnicas que nós conhecemos: meia verdade, meia invenção, meias afirmações, meias insinuações, a propósito das coisas mais extraordinárias! Desde a compra da casa ao diploma, só falta verificar se nós tínhamos licença de isqueiro antes do 25 de Abril! Lembram-se que antes do 25 de Abril era preciso ter licença de isqueiro? Eu só estou à espera que também escrutinem se eu tinha licença de isqueiro antes do 25 de Abril.

A acusação não é suficientemente grave para haver uma queixa do PS, do secretário-geral do PS?

Nós gostamos de discutir politicamente as questões políticas.

Acaba de precisar aquilo que José Sócrates quis dizer no congresso?

Não, acabo de precisar o que eu quero dizer.

E quer dizer se Pina Moura saiu da empresa que detém a TVI por causa dessas divergências?

Não faço ideia, tem que perguntar ao próprio.

Mas podia saber…?

Não. Nem Pina Moura falou comigo antes de ir para o conselho de administração, nem tinha de o fazer, nem antes de sair, nem tinha de o fazer. São questões empresariais, profissionais, nas quais não me meto, não tenho competências para isso. Então, o Jornal Nacional da TVI? Já está tudo esclarecido?

Talvez fosse melhor o senhor ir à TVI dizer isso.

Claro, já o disse! Julgo que há, no domínio da auto-regulação profissional dos jornalistas, uma questão pendente em Portugal: a de saber se os profissionais se revêem nas práticas que atropelam, para não dizer violam, as regras mais elementares do Código Deontológico.

Mas para isso há o Conselho Deontológico dos Jornalistas e há a Comissão da Carteira.

Noto esse silêncio.

A TVI tem uma licença que é periodicamente renovada. Admite que o mal-estar do Governo face à TVI se possa manifestar quando for preciso renovar essa licença?

A atribuição, a cassação, a renovação de licenças competem a uma entidade reguladora que é independente do Governo, é eleita pela Assembleia da República . Portanto, é preciso que as forças políticas se entendam para que o regulador seja eleito.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt