"Está em causa, como nunca vimos antes, a legitimação da Europa"

O ministro dos Negócios Estrangeiros diz não estar preocupado por "Steve Bannon andar pela Europa a pregar e a organizar os seus crentes". O problema é outro: "O recrudescimento de movimentos de extrema-direita."
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Já não é apenas um espectro que paira sobre a Europa. Há poucos dias, Steve Bannon anunciou a criação de uma federação europeia de partidos populistas, O Movimento. O principal estratega da eleição de Donald Trump quer criar um "supergrupo" de partidos nacionalistas no Parlamento Europeu, depois das eleições de maio de 2019. Bannon tem repetido que o seu objetivo é ajudar "a revolta populista e nacionalista" no continente europeu.

Na mesma semana em que Bannon anunciou a sua participação nesta federação de partidos, Donald Trump elegeu a União Europeia como adversária dos EUA. Há um sinal de alarme a soar em Bruxelas. E esse foi o pretexto para uma conversa com Augusto Santos Silva, o ministro dos Negócios Estrangeiros, que vê razões para a preocupação.

"Eu não fico preocupado por o senhor Steve Bannon andar pela Europa a pregar e a tentar organizar os seus crentes. O que me preocupa é o crescimento da influência desses movimentos", começa por explicar Augusto Santos Silva.

O "recrudescimento de movimentos de extrema-direita, que há 30 anos eram bastante residuais", é o dado que o ministro dos Negócios Estrangeiros identifica como mais significativo para a política europeia. Até porque é visível "o crescimento da influência política, social e eleitoral" que têm.

Embora veja como "natural" esta "tentativa de fundar uma rede europeia de movimentos que pensam ter uma convergência de interesses", Santos Silva encontra nesses partidos um ideário perigoso. "O antagonismo face ao projeto europeu, a natureza soberanista do discurso, a eleição dos imigrantes como risco número um para a civilização europeia e a escolha de uma só identificação religiosa como símbolo."

Esta é, politicamente, uma "corrente que procura opor as elites ao povo, negar o pluralismo e considerar a dissidência como exterior à nação". Tudo isso impõe uma presença diária do discurso xenófobo no debate europeu, em que "os migrantes são vistos como uma ameaça existencial", critica Santos Silva.

"Há até certo ponto uma aproximação que é lógica entre a extrema-direita europeia e alguns movimentos políticos que defendem regimes autocráticos. Comungam o mesmo ódio ao pluralismo e a mesma defesa das lideranças fortes. Percebo que a senhora Le Pen teça loas ao senhor Putin enquanto liderança forte", avalia o ministro português.

Mais surpreendente é, do seu ponto de vista, a "menor afeição pela construção europeia" da administração americana. Essa é uma mudança numa política de Washington que tem pelo menos 100 anos... "Desde Woodrow Wilson que os americanos sempre apoiaram os projetos de construção da Europa, por forma a evitar novas guerras", lembra Santos Silva.

A mudança com Trump foi drástica. E isso tem reflexos na União Europeia. Augusto Santos Silva vê "uma proximidade entre alguns setores que apoiaram e apoiam a atual administração Trump e alguns que pretendem dinamitar a União Europeia".

O novo governo italiano, por exemplo? "O governo italiano ainda não explicou cabalmente aos restantes governos qual é verdadeiramente a sua posição face à construção europeia", lamenta o ministro. Mas já deu sinais maus em "decisões tão cruas como a de impedir o desembarque em portos italianos de refugiados". Ou até na "linguagem tão pouco conforme aos ideais europeus - chamando aos refugiados "carga humana indesejada" - do ministro Salvini [Matteo Salvini é o líder da Liga Norte e vice-primeiro-ministro de Itália]".

Augusto Santos Silva é claro: "A União Europeia tem de se defender. As próximas eleições são um momento político determinante."

Na opinião do ministro "está em causa, como nunca vimos antes, a legitimação da Europa como projeto político". "Nós precisamos de um sobressalto cívico e político nas próximas eleições europeias. Espero o mesmo sobressalto de que falo, como socialista, nos outros partidos europeus, no PPE, nos Liberais, nos Verdes... Pelo menos nesses."

As eleições de maio próximo, que costumam ser marcadas por uma abstenção maior, terão, para Santos Silva, uma importância "comparável à da eleição de Macron" - quando o presidente francês derrotou na segunda volta a candidata Marine Le Pen.

O seu desejo é que a eleição dos deputados europeus não seja vista, como é habitual, como uma "eleição de segunda ordem". "As próximas europeias não podem ser reduzidas a um conjunto de 28 eleições nacionais."

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