Até onde nos leva a fuga para a frente

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Já estava traçado nos planos ainda antes de Eduardo Cabrita ter subitamente anunciado a decisão de extinguir o SEF, numa incrível coincidência temporal - que muitos acreditaram ser motivada pela necessidade de o então ministro que sobreviveu às golas antifumo inflamáveis, aos festejos do Sporting, ao blackout do SIRESP e até a um atropelo mortal sacudir dos próprios ombros a responsabilidade política pela morte de um cidadão ucraniano enquanto à guarda daquela polícia. Não teve nada que ver, garantiu o primeiro-ministro aos portugueses incrédulos com o projeto de desconstrução de uma estrutura cuja competência era largamente elogiada até lá fora.

De dezembro de 2020 até hoje, muitas vozes se levantaram contra a ideia de acabar com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, contra a forma atabalhoada como o governo lhe ia dando contornos disformes, contra a solução inenarrável de repartir o que o executivo considerava um mal pelas aldeias policiais em volta.

Com a pandemia a gerar novas necessidades de rigor nas fronteiras, foi ao SEF que o governo recorreu para os controlos necessários, adiando por mais de uma vez a decisão que ainda neste mês sublinhou estar tomada e ser irrevogável.

Pela nova agenda do executivo, depois de Cabrita se ter afastado pelo próprio pé para não prejudicar o camarada António Costa e de o primeiro-ministro ter posto José Luís Carneiro na frente da batalha que já se trava pelo domínio das diversas áreas que deixam de ser lideradas por uma polícia especialmente dedicada e preparada para controlar as fronteiras portuguesas, faltam três semanas para se efetivar a extinção.

Em maio, já não haverá SEF, repete o governo com a convicção - alguns dirão teimosia cega - de quem está certo de ter escolhido o melhor caminho. Não há volta atrás, garante. Mesmo que não tenha ainda fechado as pastas. Mesmo que não tenha ainda comunicado cabalmente quem fica responsável por que área de segurança. Mesmo que já esteja a receber queixas das diferentes polícias, porque a divisão das águas que se perfila está "mal feita". Mesmo que os próprios agentes do moribundo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ainda não foram sequer informados de onde e como serão integrados na GNR ou na PSP ou na PJ; ou que funções terão na nova força ou agência de segurança.

O SEF é para acabar e é isso que importa, repete-se em São Bento, fazendo orelhas moucas aos pareceres de estruturas supranacionais e especializadas, como a Europol ou a Interpol, que temem perda de eficácia na comunicação e coordenação com as estruturas policiais portuguesas de fronteiras. Ignorando acintosamente as preocupações do Observatório de Segurança Interna, que já avisa para o que prevê que acontecerá quando se partir aos bocados e espalhar por diversas águas o conhecimento e experiência acumulados durante décadas pelo SEF: uma "redução drástica dos padrões de segurança", fruto de uma organização "errada" da gestão de fronteiras, liderada por estruturas que "não estão preparadas nem formadas" para responder às necessidades de segurança do país. Pior ainda num momento em que há uma guerra a desenrolar-se na Europa.

Quase dois anos depois da decisão, o SEF vai mesmo acabar. Palavra de António Costa. Em frente ao abismo...

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