Até o futebol em barriga de aluguer

Publicado a
Atualizado a

Ah, ontem... Sem dinheiro para ir ao estádio, ouvia-se o relato no rádio a pilhas. Agora, sem dinheiro para assinatura de canais desportivos, até os do rendimento mínimo têm, do sofá, um Benfica ou um Sporting. Tê-lo, tê-lo, não têm, mas arranja-se uma transmissão canada dry, que parece álcool, sabe a álcool mas é só gasosa. É como sentir as palmeiras das Maldivas pela montra da agência de viagens. A TVI24 e a CMTV dividem o ecrã em três retângulos e anima-se a coisa. Há imagens do treinador, mexidas mas falsas, são, sei lá, dez minutos filmados e repetidos, J.J. ou o Rui Vitória como o urso do zoo na sua jaula, a fingir que estão ali, ao vivo, 90 minutos. Temos, sedutora, uma nesga do relvado que nos faz imaginar as correrias que não vemos. Para acicatar o desejo, comentadores no estúdio. Eles têm assinatura, veem o jogo e fazem o favor de nos contar: "Grande passe de William..." Já foram feitas revoluções por falta de brioches; amanhã, talvez, será por se ter o William só contado. Eu lembro-me do meu clube de bairro, era só o União de São Paulo, era só o Cabral mas do pelado dos Coqueiros eu quase lhe cheirava a camisola. Hoje, tanta tecnologia e comenta-se para o ecrã o que se vê noutro ecrã. Ao menos ponham lá um poeta, desenterrem o Nelson Rodrigues. Ele era quase cego, inventava o futebol. Se um vídeo o desmentia - "se o vídeo diz que foi penálti" -, Nelson decretava: "O vídeo é burro." Se calhar peço muito.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt