"Até ao final do ano vai ser uma corrida ao programa de vistos gold"

Associação de Promotores Imobiliários antecipa um "aumento muito expressivo" da procura imobiliária nos grandes centros urbanos, antes das restrições em 2022.
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O ano de 2021 deverá trazer um "aumento muito expressivo" na aquisição de imobiliário nos grandes centros urbanos do litoral, ao abrigo do programa de Autorizações de Residência para Atividade de Investimento (ARI) - os chamados vistos gold -, numa antecipação às restrições que vão entrar em vigor no início de 2022. A partir dessa data os vistos gold vão deixar de se aplicar à compra de imóveis para habitação em cidades como Lisboa e o Porto. Uma medida inicialmente prevista para meados de 2021, mas que o Governo adiou para janeiro do próximo ano.

Para Hugo Santos Ferreira, vice-presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), é este fator que explica já o aumento na atribuição de vistos gold registado no mês de fevereiro. Foram atribuídos 100 autorizações de residência (correspondentes a um valor de investimento de 52,3 milhões de euros), 89 dos quais por aquisição de imóveis, num valor total de 47,5 milhões de euros. Números que representam um aumento de 13% por comparação com o mesmo mês do ano anterior e de 58% face a janeiro de 2021. "Até ao final do ano vai ser uma corrida ao programa", antecipa, defendendo que as alterações introduzidas pelo Executivo representam uma sentença de morte para os vistos gold - desde o seu início "97% dos investidores" investiram no espaço urbano e só "3% no interior".

À luz das novas regras, publicadas há cerca de um mês, comprar um imóvel nas cidades do litoral deixa de dar acesso aos vistos gold, que ficam limitados à aquisição de imóveis para habitação "nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira ou nos territórios do interior". O objetivo, refere o decreto-lei, é que este regime "possa ser dirigido preferencialmente aos territórios do interior, ao investimento na criação de emprego e à requalificação urbana e do património cultural. Uma limitação que deixa de fora imóveis adquiridos para uso turístico ou comercial.

Esta exclusão é um dos pontos visados pelo Bloco de Esquerda, que acusa o Governo de mudar a lei para deixar tudo na mesma. Os bloquistas pediram a apreciação parlamentar do decreto do Executivo, com vista à eliminação definitiva da figura dos vistos gold, uma batalha de anos do partido.

Desde 2012, altura em que este regime legal entrou em vigor, foram concedidas 9544 autorizações de residência. A esmagadora maioria - 8970, praticamente 94% do total, foram atribuídos devido à aquisição de bens imóveis. Nestes oito anos, o valor total do investimento captado ao abrigo das Autorizações de Residência para Atividade de Investimento alcançou os 5724 milhões de euros. Deste valor 5177 milhões reportam-se à aquisição de imóveis -90,4% do total.

No polo oposto, há um "parente pobre" no regime dos vistos gold. Desde que foi lançado, em 2012, o programa atribuiu 17 autorizações de residência pela criação de postos de trabalho - o que, dada a obrigação legal de criar um mínimo de empregos, representa 170 postos de trabalho. Contas feitas pelo valor mínimo, mas que não estarão longe do número real. Em 2019, com 16 vistos gold atribuídos por esta via, fonte do SEF indicava à Lusa que terão sido criados 200 postos de trabalho. Depois dessa data, só um visto foi atribuído por esta via. E desde 2019, mais nenhum: há mais de um ano que não é concedida nenhuma autorização de residência para criação de postos de trabalho.

Hugo Santos Ferreira considera que a proposta do BE é "surrealista", numa "altura em que o país tanto precisa de investimento" e rejeita as críticas de que este regime potencia a criminalidade económica.

Já Susana Coroado, presidente da associação cívica Transparência e Integridade, não tem dúvidas que sim: "E não é só a criminalidade financeira. É muito fácil, através dos vistos gold, colocar redes de crime organizado na Europa."

Susana Coroado também destaca o facto de a aquisição de imóveis por via dos vistos gold estar a aumentar, em "plena pandemia", e defende que isto é um "sinal de alerta". "Não é normal", diz ao DN, acrescentando: "Se as pessoas andam a comprar casas através da internet, isso é um sinal de que não é a casa que lhes interessa, é o visto." Susana Coroado diz que a associação (que é membro da rede global de ONG anticorrupção Transparency International) não se opõe ao fim dos vistos gold defendido pelo Bloco, mas já ficaria satisfeita se o Governo avançasse com um estudo de custo-benefício deste regime, com um reforço das obrigações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e dos mecanismos de controlo para atribuição dos vistos: "Não há qualquer controlo sobre a origem dos fundos. E alguma da informação que se solicita a quem pede o visto, por exemplo o cadastro, em alguns países é uma coisa que se compra na rua."

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