Ataque químico na Síria: EUA ameaçam agir sem a ONU
"Às seis e meia da manhã, os aviões atacaram e vi que tinha sido em frente à casa do meu avô. Fiquei tonto e desmaiei junto à garagem. Acordei neste hospital. Não sei se a minha família está morta ou viva." O relato, feito entre lágrimas à CNN, é de Mazin Yusif, de 13 anos, oriundo de Khan Sheikhun, localidade da província de Idlib que na terça-feira foi alvo do que se pensa ser o pior ataque com armas químicas em anos em território sírio. O incidente está a motivar uma forte reação internacional e os EUA ameaçaram reagir unilateralmente se a ONU nada fizer sobre a Síria. Yusif é uma das 25 vítimas que estão a ser tratadas no Reyhanli Hospital, no Sul da Turquia.
O Observatório Sírio dos Direitos Humanos, com sede em Londres, falou em 52 adultos e 20 crianças mortas no referido ataque. "Mais de 100 pessoas foram mortas por armas químicas em Idlib. Então, Assad, assassino, como é que vais explicar isto", disse por sua vez o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, num comício, em Bursa, referindo-se ao presidente sírio. O regime de Bashar al-Assad tem sido o alvo de todas as acusações, ao mesmo tempo que dão a volta ao mundo imagens de crianças e adultos, estendidos no chão, paralisados, mortos ou a sufocar. Segundo várias organizações esses são sintomas de um ataque com gás sarin.
"Médicos em Idlib informam que dezenas de pacientes com dificuldade em respirar ou sufocando foram admitidos no hospital para receber cuidados médicos urgentes", disse em comunicado a OMS, manifestando-se alarmada com "relatos sérios sobre o uso de químicos altamente tóxicos". O diretor do programa de emergências da OMS, Peter Salama, lembrou que "o uso destas armas é proibido". Também os Médicos Sem Fronteiras trataram oito pacientes com sintomas de exposição a agentes nervosos.
Na condenação a Assad, a exceção foi ontem a Rússia, que numa reunião do Conselho de Segurança da ONU disse ser inaceitável o projeto de resolução dos EUA, França e Reino Unido. O secretário-geral da ONU, António Guterres, a quem a Amnistia Internacional tenciona dirigir uma petição que pôs a circular na net pedindo justiça para as vítimas do ataque, classificou o sucedido como "crime de guerra". Mas o regime de Vladimir Putin tem outra versão para oferecer. Segundo o porta-voz do Ministério da Defesa russo, Igor Konashenkov, os gases letais procederam de "um armazém onde os terroristas [rebeldes] guardavam projéteis carregados com agentes tóxicos" que, por sua vez, foram alvo dos bombardeamentos lançados pelo regime sírio.
Ouvido pela rádio BBC 4, o coronel Hamish de Bretton-Gordon, especialista em armas químicas, disse acreditar tratar-se de gás sarin e que a versão dos russos é "completamente insustentável". E explicou: " Inevitavelmente, se explodirem o sarin vão destruí-lo." Fonte da Casa Branca disse, à Reuters, a coberto do anonimato, que os americanos "não acreditam" na versão russa.
Segundo o jornal The Guardian, os serviços secretos ocidentais estão a recolher amostras biológicas dos sobreviventes do ataque químico para compará-las com as de gás sarin retiradas dos armazéns militares há quatro anos. Isso determinará se os agentes nervosos usados provêm ou não dos stocks que o regime sírio deveria ter entregado à ONU após o ataque de 2013 em Ghouta e no qual morreram 1200 pessoas.
Mostrando fotos das crianças mortas a embaixadora dos EUA na ONU, Nikki Haley, disse: "Quantas crianças têm de morrer para que a Rússia se importe? Quando a ONU falha frequentemente o seu dever de agir coletivamente, há alturas em que os Estados têm de agir sós." À ameaça de ação unilateral, o presidente dos EUA, Donald Trump, juntou mais um aviso: "Quando se matam crianças inocentes, bebés, com gás químico letal, isso ultrapassa muitas linhas vermelhas." Trump referia-se ao facto de Barack Obama ter dito que o uso de armas químicas era a linha vermelha para Assad. Ontem garantiu ainda: "As ações hediondas do regime de Assad não podem ser mais toleradas."