Ataque em Manchester com impacto nas eleições de junho
"Foi preciso retirar fragmentos de pregos e pedaços de vidro dos rostos e dos braços" dos menores atingidos pelo ataque suicida na Arena de Manchester, que causou na noite de segunda para terça-feira 22 mortos, entre os quais uma menina de 8 anos, e 59 feridos. A descrição é de Stephen Jones, de 35 anos, um sem-abrigo que dormia nas proximidades do recinto e foi acordado pela explosão. Correu para o local e aquilo que viu levou-o a ajudar os feridos, "a maioria crianças e crianças cobertas de sangue, que não paravam de gritar e chorar", recordou Jones.
"Tinha de ser feito, tinha de os ajudar. Não conseguiria viver comigo próprio se fosse embora e deixasse as crianças naquele estado", explicou o sem-abrigo ouvido pela ITV News. Jones não foi o único a mostrar-se altruísta. Um outro sem-abrigo, Chris Parker, de 33 anos, que pedia esmola no recinto, tentou ajudar uma mulher de 60 anos, que acabou por morrer nos seus braços. "Disse-me que viera com a família e que uma das crianças, pensava ela, tinha morrido. Como é que isto aconteceu num concertos para miúdos?", interrogava-se Parker, citado no Sun online, admitindo não conseguir parar de chorar. E como Jones e Parker, muitos outros anónimos mancunians (designação em inglês dos residentes na cidade), presentes no concerto ou nos arredores do recinto, prestaram assistência às vítimas.
O atentado foi reivindicado pelo Estado Islâmico (EI) e é o mais grave sucedido no Reino Unido desde os ataques de 7 de julho de 2005, em Londres, que causaram 52 mortos, além dos quatro atacantes. Ontem à noite a primeira-ministra, Theresa May, elevou o estado de alerta para o seu nível máximo, o que permitirá colocar cinco mil militares nas ruas em missões de patrulha sob comando policial.
A polícia estava a pedir ontem a entrega de imagens e vídeos das pessoas presentes no concerto da estrela pop americana Ariana Grande, alvo do ataque, na esperança de se obter pistas sobre o sucedido e possíveis cúmplices do autor, Salman Abedi, de 22 anos, que utilizou uma bomba artesanal, preenchida com pregos, porcas e parafusos para potenciar os efeitos mortíferos. Um possível cúmplice de Abedi, que poderá ser um dos seus dois irmãos, foi detido. A família de Abedi é natural da Líbia, tendo abandonado o país ainda na época do regime de Muammar Kadhafi. Além dos dois irmãos, Abedi, que nasceu em Manchester, tem uma irmã mais nova. Era frequentador de uma das mesquitas na zona sul da cidade, a de Didsbury, e deslocou-se em transportes públicos para o concerto.
A primeira-ministra, Theresa May, garantiu que o Reino Unido não se deixará intimidar e que "os nossos valores, o nosso país e o nosso modo de vida sairão vencedores no final". May denunciou "a cobardia doentia e horrível" de uma ação condenada por todos os dirigentes internacionais.
As autoridades britânicas permaneciam em estado de alerta máximo, não afastando a possibilidade de mais ações terroristas antes das legislativas antecipadas de 7 de junho. A campanha foi suspensa, pelo menos por 24 horas, e uma das interrogações que se punha era até que ponto o atentado de Manchester irá influenciar o resultado do voto que vai decorrer dentro de três semanas. Uma pergunta importante quando se olha a evolução das sondagens nas últimas duas semanas. Se até há 15 dias, o partido de May parecia ter garantida uma maioria absoluta esmagadora, as mais recentes sondagens colocam-no ainda em vantagem, mas por margens mais modestas. Uma sondagem YouGov, divulgada no fim de semana, colocava os conservadores com apenas sete pontos percentuais de vantagem sobre os trabalhistas. Com alguns analistas a recordarem que após os ataques de Paris, em 2015, a popularidade do presidente François Hollande, que estava nos 13%, subiu para 35%. De forma ainda mais significativa, em 2001, na sequência do 11 de Setembro, a popularidade do recém-eleito George W. Bush, que estava pouco acima dos 50%, alcançou a fasquia de 90%. Resultado oposto tiveram os ataques de 11 de Março de 2004, em Madrid, que acabaram por produzir a derrota do Partido Popular (PP), de José Maria Aznar, então no poder. Mas, neste caso, não foram as repercussões dos ataques que levaram à derrota do PP, mas sim a forma errada como geriu a crise, atribuindo a responsabilidade aos separatistas da ETA, quando se tornara claro desde cedo que a organização basca não estava envolvida nas ações que provocaram 192 mortos.
Assim, projetava-se ontem que os conservadores voltarão a subir nas sondagens e que o sucedido em Manchester pode, igualmente, beneficiar formações como os eurocéticos e populistas do UKIP, hoje com mau desempenho nas sondagens.
Outras das repercussões do ataque de Manchester será o possível agudizar das tensões entre a comunidade muçulmana no Reino Unido e a restante população. Uma tendência detetada após o ataque de Khalid Masood no passado mês de março junto de Westminster, em Londres.
Uma reportagem publicada então no diário The Guardian revelava que os frequentadores de duas mesquitas a que fora associado o nome de Masood temiam retaliações pelo ataque em Westminster. "Isso sucede sempre quando se passa algo [como um atentado]. É a realidade com que temos de viver", dizia um dos entrevistados pelo diário britânico.
Manchester tem um historial de situações ligadas a grupos islamitas, além de Birmingham, Leeds, Bradford e Londres, referia ontem um analista de segurança citado no The Australian. Uma das zonas da cidade, Moss Side, tornou-se conhecida como área de recrutamento de voluntários para a Síria e o Iraque.
A demografia da área metropolitana de Manchester tem-se alterado substancialmente, com o aumento de provenientes de países asiáticos e africanos. A população muçulmana passou de 9,1% para 15,8% nos últimos 15 anos.
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