Ataque do Hamas - Três premissas para uma conclusão
1. Normalização das relações entre os Estados Árabes e Israel.
A causa palestiniana é um elemento agregador no mundo árabe. Mas isso tem vindo a ser posto em causa. São várias as razões que contribuem para tal - a crescente islamização do conflito, a corrupção e disfunção política das lideranças palestinianas, passando pela crescente influência de Teerão, até à ancoragem do centro de gravidade geopolítico dos EUA no Pacífico.
Porém, é nos Acordos de Abraão que este balão perde oxigénio. A progressiva aproximação de Israel com Marrocos, Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Sudão e, eventualmente, a Arábia Saudita está a alienar o ódio a Israel do mundo árabe e a inverter a prioridade do conflito na agenda política e mediática. O mote para esta relação é o regime iraniano, aspirante a potência regional (nuclear), que desafia o statu quo árabe. E, sabemos, usa o Hamas e quejandos como pontas de lança para acicatar as tensões sectárias com violência e lembrar que Israel não tem o direito a existir.
2. Contestações à legitimidade do poder.
Tanto Israel como o Hamas, em dimensões totalmente diferentes, como é óbvio, estão a sofrer desafios às estruturas de poder. Israel atravessa um momento de instabilidade política, com a legitimidade do governo a ser posta em causa e um extremar de posições. Esta tensão pôde trazer uma vulnerabilidade securitária aproveitada para o ataque.
Num outro polo, a legitimidade do Hamas tem sido desafiada por outros grupos militantes, como a Jihad Islâmica da Palestina ou a Cova dos Leões. Acusam-no de ser demasiado complacente com Israel. Repare-se que na Cisjordânia, onde há células do Hamas, os níveis de violência têm sido os mais elevados desde o fim da Segunda Intifada, em 2005. Talvez seja uma tentativa de refutar esta acusação - um padrão que podemos usar para explicar o ataque de 7 de outubro. A isto ainda acrescentamos os problemas financeiros do Hamas, agravados pela inflação global e pelos atrasos no apoio do Qatar.
3. Guerra longa e difícil.
Netanyahu foi perentório: a guerra contra o Hamas será longa e difícil. Portanto, podemos considerar a possibilidade de uma intervenção terreste numa região densamente povoada e repleta de armadilhas, túneis e pontos de emboscada pré-planeados. Será oneroso para as Forças Armadas israelitas e para os civis, com elevada probabilidade de muitos danos colaterais.
Além disso, uma guerra em Gaza pode facilmente escalar para novas frentes na Cisjordânia, no Líbano e mesmo dentro de Israel. Podemos considerar a possibilidade de uma frente conjunta do Hamas com o Hezbollah, associada a motins e a violência intercomunitária em várias cidades israelitas.
Conclusão
Percebemos então que estes ataques têm como pano de fundo voltar a colocar o conflito israelo-palestiniano nas agendas mediáticas, políticas e diplomáticas. E na retaliação israelita vai explorar-se a narrativa de vítima contra opressor. Partindo daqui, há margem moral para a violência militante e, em consequência, garante-se apoio incondicional do mundo árabo-islâmico e a condenação da comunidade internacional, que depressa vai esquecer o dia 7 de outubro de 2023, confundindo David com Golias.
Com tudo somado, pôr-se-á em causa a normalização das relações entre os Estados Árabes e Israel, beneficiando o Irão com todo este processo.
NOVA School of Law.