Um ataque aéreo a um centro de detenção de migrantes a leste de Tripoli causou a morte a 44 pessoas, deixando ainda mais de 130 feridas. O balanço é das Nações Unidas, com o enviado especial para a Líbia, Ghassan Salame, a falar de um possível "crime de guerra". O governo de Tripoli, reconhecido internacionalmente, culpa as forças do marechal Khalifa Haftar, que desde abril tenta conquistar a capital, de estar por detrás do ataque, mas este aponta o dedo às forças governamentais..A Líbia é um dos principais portos de saída dos migrantes africanos (a maioria das vítimas do ataque de terça-feira à noite eram da África subsariana) que tentam chegar de barco a Itália. Mas muitos dos que tentam partir e são apanhados em águas internacionais são devolvidos à guarda costeira líbia, apoiada pela União Europeia. A política de "devolução" de migrantes tem sido criticada pelas Nações Unidas..Milhares estão nos centros de detenção governamentais em condições desumanas, segundo as organizações de defesa dos direitos humanos e a própria ONU. O centro agora atingido, em Tajoura, a leste de Tripoli, albergava 600 pessoas e em maio já tinha sido alvo, já que se encontra ao lado de um acampamento militar. Um projétil caiu a cem metros de distância, ferindo dois migrantes..O ataque, condenado internacionalmente, veio mais uma vez chamar a atenção para o caos que se vive na Líbia, mas também para a política migratória europeia..Quem é que controla a Líbia?.O país é um Estado falhado, envolto no caos e na guerra civil desde a queda do ditador Muammar Kadhafi, em 2011, numa ação apoiada pela NATO..Há inúmeras milícias no país, mas dois atores principais. De um lado está o Governo de Acordo Nacional, reconhecido internacionalmente, que tem a base na capital Tripoli. O primeiro-ministro, desde março de 2016, é o engenheiro Fayez al-Sarraj..Do outro lado encontra-se o governo alternativo em Tobruk, a leste, onde está o parlamento eleito em 2014, que deixou a capital quando quem tinha o poder se recusou a entregá-lo e não reconhece entretanto o executivo em Tripoli. Tem o apoio do marechal de campo Khalifa Haftar, líder do Exército Nacional Líbio..Quando é que a situação se deteriorou?.A situação complicou-se com o início da batalha pelo controlo de Tripoli, a 4 de abril. Haftar deu ordens ao seu Exército Nacional Líbio para avançar para a capital, numa altura em que estava na cidade o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres. O português procurava incentivar um acordo político sobre a celebração de eleições, que caiu por terra..O argumento de Haftar é restaurar a segurança do país, combater os gangues armados e o "terrorismo", tendo como alvo os grupos islamitas. O marechal é popular em Bengazi precisamente por ter ajudado a libertar a segunda maior cidade da Líbia destes grupos..Naquele primeiro mês, os combates eram praticamente diários em torno do antigo aeroporto internacional, em Mitiga. Em menos de um mês já tinham morrido 230 pessoas, havia mais de 500 feridos e dez mil pessoas já tinham fugido das suas casas..Haftar tinha anunciado na segunda-feira que ia lançar ataques aéreos à capital, onde encontrou forte resistência, depois de esgotados os "meios tradicionais" da guerra - sofreu um revés ao perder a cidade de Gharyan, a sul da capital. O Exército Nacional Líbio estava a combater forças governamentais na zona, confirmando o bombardeamento de um acampamento pró-governamental próximo do centro de detenção de migrantes, alegando contudo que foi a resposta dessas forças que atingiu o espaço, causando 44 vítimas mortais..Mas quem é Haftar?.O marechal de 75 anos serviu no exército líbio sob os comandos de Muammar Kadhafi e participou no golpe que o levou ao poder, em 1969. Em 1987, quando liderava as forças líbias na guerra contra o Chade, foi feito prisioneiro com 300 dos seus homens..Uma vez que Kadhafi tinha negado até aí a presença de forças líbias no país, acabaria por ser renegado pelo líder e terá passado os anos seguintes à procura de uma forma de o derrubar. Libertado em 1990, viveu exilado nos EUA (terá mesmo a nacionalidade norte-americana), mais precisamente na Virgínia (a sua proximidade a Langley, sede da CIA, fez acreditar numa ligação aos serviços secretos norte-americanos). Uma ligação que não agrada a muitos líbios..Em 2011, já depois do início da revolução contra Khadaffi, regressou à Líbia, pondo-se ao lado das forças rebeldes no leste do país. Voltaria para a ribalta três anos depois, quando defendeu uma insurreição contra o Congresso eleito, que tinha sido incapaz de travar o avanço de grupos islamitas no leste, nomeadamente em Bengazi..Haftar acabaria por liderar em maio de 2014 uma operação contra os militantes islamitas na segunda maior cidade da Líbia (que seria bem-sucedida), sendo nomeado pelo novo parlamento (que entretanto se mudou para Tobruk), quase um ano depois, como comandante do Exército Nacional Líbio..Quem apoia o marechal?.Na Líbia, o marechal tem o apoio do governo em Tobruk, além das milícias de Bengazi, mas também de grupos tribais a sul e milícias conservadoras salafistas. No exterior, conta desde o primeiro momento com o apoio dos Emirados Árabes Unidos e da Arábia Saudita (uma semana antes do ataque em abril esteve com o rei saudita), contando ainda com o apoio do Egito - tal como o presidente egípcio Abdel Fattah al-Sisi quer acabar com a Irmandade Muçulmana. É muitas vezes comparado a este..A 19 de abril, a Casa Branca informou que o presidente norte-americano, Donald Trump, tinha conversado ao telefone com Haftar no dia 15 desse mesmo mês. "O presidente reconheceu o papel significativo do marechal de campo Haftar na luta contra o terrorismo e no assegurar de recursos petrolíferos da Líbia e os dois falaram de uma visão partilhada para uma transição da Líbia para um sistema político estável e democrático", anunciaram desde Washington..Desde o início dos combates, tanto os EUA como a União Europeia e as Nações Unidas têm pedido contudo o fim imediato do conflito e a abertura do diálogo. O presidente francês, Emmanuel Macron, convidou Haftar para ir a Paris, para negociar com o primeiro-ministro Sarraj, em julho de 2017, mas rejeita estar do lado do marechal - apesar de ter apoiado com ataques aéreos as suas posições em fevereiro. No mês passado, Haftar foi recebido pelo primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte..Qual será o impacto do ataque ao centro de migrantes?.O Conselho de Segurança das Nações Unidas reuniu-se ontem de emergência, à porta fechada, para discutir a situação na Líbia. A União Europeia criticou um "ataque horrível", aliando-se às Nações Unidas que pedem a abertura de um inquérito..Além de chamar a atenção para a situação na Líbia, o ataque põe também em foco a política migratória europeia. "É preciso que a nova equipa à frente da União Europeia renove as pressões sobre as autoridades líbias e todas as partes do conflito para que haja alternativas a este sistema de detenção arbitrário", defendeu o enviado especial do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados, Vincent Cochetel, numa entrevista à AFP.."Quando vemos os esforços que Itália, França e outros fazem para dotar de capacidade a guarda costeira líbia eu compreendo, mas é preciso que isso se faça através de um certo número de regras muito precisas, com uma verificação em relação a como os materiais são usados, como os guardas se comportam, etc... A maioria são marinheiros que fazem bem o seu trabalho, mas há um certo número de elementos criminosos à volta deles e que beneficiam de impunidade total", acrescentou.