Astrónomo amador ajuda a descobrir exoplanetas

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Astronomia. João Gregório colabora com a equipa do astrofísico Peter McCulough, que, no observatório Baker Nun, no Havai, tem um projecto de busca de planetas que orbitem estrelas distantes. O português faz observações para confirmar potenciais candidatos

Artigo científico foi publicado em Maio deste ano

Aos fins-de-semana, a menos que as nuvens tapem toda a abóbada do céu ou chova a cântaros, João Gregório tem destino certo. Findo o trabalho, à sexta-feira (tem uma loja de electrodomésticos em Alcabideche, onde vive também), dá um pulo a casa, põe o telescópio no carro, juntamente com a cadeira e a mesa de campismo, mais o portátil, seu fiel companheiro de trabalho, e ruma a Alcochete. Faz isto há cinco anos, quase sem pausas. Mas tem valido a pena. Este ano, tornou-se co-descobridor de dois planetas extra-solares (ou exoplanetas) e há dias juntou ao seu currículo a descoberta de uma estrela variável (cuja luminosidade varia ao longo do tempo).

Foi no Natal de 2002 que a astronomia entrou de rompante na sua vida, quando o filho lhe disse que gostava de ter um telescópio. João Gregório achou boa ideia. Ele próprio gostaria de ter um, respondeu-lhe.

"Comprei um telescópiozinho que acabou por abrir o apetite para outros voos", conta. Um ano depois já andava com um telescópio a sério emprestado por um amigo também amador e começou a ir para a zona de Alcochete para fazer as suas observações.

Aí, a nascente, ao pé da Academia do Sporting, fica o único sítio nas redondezas de Lisboa onde ainda se pode contemplar as estrelas sem a poluição luminosa a estragar o negrume do céu, explica ele. O futuro aeroporto vai mudar tudo mas, até lá, estará por ali durante as noites de sexta e de sábado a fazer as suas observações.

Nunca está só, no entanto. Há sempre outros astrónomos amadores do grupo Atalaia, ao quais se juntou em 2003. Têm um site, encontram-se para discutir temas de astronomia e novidades. No campo, montam os seus observatórios portáteis e ficam de atalaia, cada um entregue às suas observações. Há quem tire fotografias, há quem faça espectrografia (registo de espectros de energia), colaborando com cientistas ligados ao satélite Corot, da agência espacial europeia , que estuda o interior das estrelas. João Gregório faz sobretudo fotometria, uma técnica que permite detectar o trânsito, ou a passagem, de um planeta em frente à sua estrela, pela observação da quebra da intensidade na luz.

Armado com um telescópio Schmidt-Cassegrain, que aumenta 600 vezes (mil, se não houver turbulência na atmosfera) e uma câmara fotográfica para astronomia - material emprestado pelo também astrónomo amador Plácido Inocentes, que faz questão de nomear - passa noites a seguir no céu pontinhos marcados numa carta: possíveis candidatos a exoplanetas.

O seu interesse por estes objectos nasceu em Agosto do ano 2006. "Era um tópico com interesse científico e actual, falava-se da importância de fazer fotometria para a sua detecção e eu decidi tentar", conta.

O primeiro exoplaneta foi descoberto em 1995 pela equipa de um astrofísico suíço chamado Michel Mayor. Com isso, aquele cientista inaugurou um novo campo de investigação, o da detecção e observação de planetas fora do sistema solar e hoje conhecem-se cerca de 250 destes objectos que orbitam em torno de estrelas distantes.

O método mais utilizado para identificar estes planetas (que não podem ser vistos pelos telescópios) é o da velocidade radial, um método indirecto que detecta perturbações no movimento de uma estrela causadas pela presença de planetas na sua órbita. A maior parte dos exoplanetas hoje conhecidos foram descobertos desta forma.

Mas, como explica o Portal do Astrónomo (um site sobre astrofísica e astronomia produzido por especialistas em Portugal), a detecção destes objectos passou a estar acessível aos astrónomos amadores, a partir de 1999, quando se identificou o primeiro pelo método da fotometria.

João Gregório não quis passar ao lado da oportunidade. Começou a fazer fotometria com sucesso, utilizando exoplanetas já identificados. Quando se sentiu seguro procurou na Internet outros amadores que trabalhassem nessa área. E encontrou Bruce Gary, um americano reformado, com uma paixão pela astronomia e um observatório em casa. Foi pela sua mão que começou a trabalhar com o grupo coordenado pelo astrofísico Peter McCullough que, no Observatório Baker Nun, no Havai, desenvolve o projecto XO, para a detecção deste tipo de planetas. O grupo faz rastreios intensivos do céu, identifica potenciais candidatos e depois aproveita a ajuda dos amadores na confirmação (ou não) das suspeitas. Ganha toda a gente.

Em Maio do ano passado a colaboração de João Gregório foi aceite e a sua perseverança acabou por dar frutos. Os seus dados (como o gráfico aqui reproduzido) mostravam que dois dos candidatos eram mesmo planetas. Em Janeiro recebeu a confirmação. Os artigos científicos foram publicados em Maio. E ele promete continuar.

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