Associações de bairros precários defendem "direito ao lugar" na habitação
No âmbito de uma audição pública sobre a criação da Lei de Bases da Habitação, que decorre na Assembleia da República, em Lisboa, Edvaldo Lima, da Associação de Moradores da Quinta da Laje, na Amadora, deixou um pedido de "socorro" para que não sejam despejados das casas.
Classificado de bairro de génese ilegal, a Quinta da Laje surgiu há cerca de 80 anos, em que os moradores construíram as casas em terrenos de que não eram proprietários, assegurando água, luz, esgotos e estradas, e em que "muitos pagam IMI [imposto municipal sobre imóveis]".
"Não queremos impedir o progresso, mas gostaríamos de ser ouvidos sobre aquela que é a nossa vivência na Quinta da Laje", afirmou Edvaldo Lima, acrescentando que os moradores se sentem "quase traídos", porque foram apetrechando as casas e "a Câmara da Amadora nunca fez o dever de qualquer entidade pública de proteger os moradores".
Concordando que há casas que têm que ser demolidas e construídas novamente, os moradores da Quinta da Lage rejeitam o realojamento em outros bairros ou indemnização monetária para aquisição de outra habitação, proposta do município da Amadora.
Da Associação Cultural Moinho da Juventude (ACMJ), no bairro da Cova da Moura, na Amadora, Flávio Almeida disse que, apesar do bairro ser de autoconstrução, "é um mito que os moradores não pagam IMI".
Na perspetiva de Flávio Almeida, a Lei de Bases da Habitação "não deve agravar a questão da padronização", sugerindo que os processos sejam participativos e reclamando o "direito ao lugar", em que as pessoas podem viver onde querem.
A representar a AUGI da Avenida Doutor Teófilo Carvalho dos Santos, na Amadora, Maria Cristina contou que esta área urbana resultou da ocupação de uma estrada militar em 1975, que gerou 50 lotes, ocupados por mais de 50 famílias.
Assegurando que os moradores já fizeram tudo para o licenciamento das casas, mas o processo "morreu na praia", Maria Cristina questionou "como é que uma Lei de Bases da Habitação luta contra a pouca vontade dos autarcas de resolver esta situação".
De acordo com a presidente da Habita, Rita Silva, "muitos dos bairros autoconstruídos têm sido sujeitos a demolições e a despejos".
Neste sentido, Rita Silva defendeu que a prioridade deve ser a requalificação dos bairros, pelo que "tem que ser muito bem justificado quando se diz que há terrenos que não são convertíveis".
Considerando que os programas de realojamento não têm respeitado as comunidades que foram construídas, a responsável da Habita afirmou que "é muito importante o direito ao lugar e o direito das comunidades se manterem", reclamando orçamento público para dar resposta à requalificação dos bairros e rejeitando a intenção de "empurrar para as autarquias muitos dos problemas da habitação".
Da Associação Amigos da Quinta do Ferro, em Lisboa, construída em 1939 e que desde 1997 tem tentado fazer reabilitações, José Manuel Rosa exigiu que "os legisladores e os autarcas conheçam o sítio no qual as leis vão cair", elogiando o programa BIP-ZIP -- Bairros e Zonas de Intervenção Prioritária, promovido pela Câmara de Lisboa.
Cristina Monteiro, em representação da AUGI Bairro Angola, em Loures, indicou que esta área urbana surgiu de "construção própria, em que as pessoas compraram os terrenos", estando há cerca de 50 anos num processo de legalização das casas, apesar de "todos os proprietários terem pago as suas escrituras e os seus registos".
Queixando-se das "taxas exorbitantes" a que são obrigados a pagar para que o processo de legalização seja concluído, Cristina Monteiro disse que a Lei de Bases da Habitação tem que "encontrar um mecanismo financeiro" para apoiar os proprietários de AUGI.