Associação das bebidas espirituosas teme deslocalizações para Espanha
A Associação Nacional das Empresas de Bebidas Espirituosas (ANEBE) teme que haja uma fuga de empresas de Portugal para Espanha, onde os impostos especiais sobre o consumo, e em especial o IABA, o imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas, são substancialmente mais baixos. Os empresários portugueses pagam 1386 euros por hectolitro contra os 958,94 euros que vigoram em Espanha, ou seja, 427,99 euros por hectolitro menos. "Temo que haja uma certa deslocalização, aliás, há uma destilaria que está mesmo a pensar nisso, em ir destilar para Espanha, porque, realmente, o imposto é muito mais baixo e a fronteira é ali ao lado. Estamos a falar em operadores em Beja, Évora, Portalegre ou Castelo Branco que estarem ali ou estarem em Cáceres não lhes faz grande mossa", diz o secretário-geral da ANEBE, João Vargas.
A associação conta com 40 associados - em tempo de pandemia ainda ganhou mais um - responsáveis por cerca de seis mil postos de trabalho diretos e indiretos e vendas globais, pré-pandemia, de 837 milhões de euros. Mas o ano de 2020 foi particularmente duro para esta indústria, que perdeu cerca de 50% das suas vendas, ficando-se pelos 400 milhões de euros. Não admira, se tivermos em conta que os bares e as discotecas, que constituem o principal ponto de venda do setor das bebidas espirituosas, estiveram fechados todo o ano. O emprego induzido teve, necessariamente, efeitos negativos com a crise, mas João Vargas reconhece que é ainda impossível perceber a dimensão dessa realidade. Certo é que os estudos realizados, em colaboração com a EY, estimam que serão precisos mais de cinco anos para recuperar as perdas de 2020.
Com a aproximação do fim do ano e da discussão do Orçamento do Estado para 2022, a ANEBE volta a lembrar o desequilíbrio fiscal com que se debate, face a Espanha, o que põe em causa a competitividade do setor, mas, também, o fardo elevado que representa o IABA para um setor que é essencialmente formado por micro e pequenas empresas. O medo é que, com a crise, o governo ponha fim aos três anos de estabilidade fiscal que o setor registou entre 2019 e 2021.
"Vivemos um período difícil da nossa economia e tememos que haja a tentação de mexer nos impostos. Como se costuma dizer, alguém tem de pagar a crise e tememos que sejamos nós, e os outros operadores que estão sujeitos a impostos especiais de consumo, a pagá-la", diz João Vargas, lembrando que uma das razões invocadas para pedir o congelamento da taxa do IABA, o chamado stand-still, foi a capilaridade do setor e a sua distribuição por todo o país, mas em especial, no interior. "Estamos a iniciar a recuperação económica, ainda agora estão a abrir os bares e restaurantes, aumentar impostos seria ir contra este ciclo de recuperação", defende este responsável.
João Vargas lembra que o IABA é já "extremamente oneroso" para uma microempresa. Entre 2010 e 2018, a taxa do imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas aplicável às espirituosas foi agravado em 37,4%, passando de 1009,36 euros para 1386,93 euros por hectolitro. Um valor que se manteve inalterado, desde 2019, quando o governo aplicou a cláusula de stand-still e, apesar desse congelamento, no primeiro ano a receita para o Estado cresceu, passando de 110 para 116 milhões de euros. Um valor que, apesar de tudo, foi inferior ao crescimento esperado - um estudo realizado pela EY estimava que, apesar do congelamento da taxa, o IABA das espirituosas iria aumentar mais de 12 milhões de euros -, mas que se explica, entre outras razões, pelo verão de pouco calor que provocou menor consumo do que o esperado.
Em 2020, o IABA pago pelas espirituosas ficou-se pelos 87 milhões. Este valor corresponde em grande medida a garrafas que ainda não foram, sequer, vendidas. É que o pagamento do imposto é feito como introdução ao consumo, ou seja, em consequência da produção e não da venda, a qual pode vir a ocorrer muito mais tarde. Este ano, de janeiro a agosto, o IABA arrecadado pelo Estado com as bebidas espirituosas foi de 62 milhões, o que representa um crescimento de 23% face ao período homólogo. O que não significa que as vendas tenham acompanhado igual crescimento. João Vargas estima que o setor possa fechar o ano com um aumento de vendas de 25%, "impulsionado pelo trimestre de verão que foi manifestamente de recuperação". E pela reabertura dos bares e discotecas, sem quaisquer restrições, a partir de 1 de outubro.
E claro, há sempre a questão do desequilíbrio entre os valores pagos pelas espirituosas e a cerveja, que paga substancialmente menos, ou o vinho, que nem paga, beneficiando de isenção do IABA. "A isenção do IEC para o vinho foi muito importante para manter os postos de trabalho e a capacidade de internacionalização do setor, com o apoio da ViniPortugal. Gostávamos era de poder ter uma isenção fiscal que nos permitisse iniciar esse mesmo percurso que os vinhos começaram há 20 anos. Tal como gostávamos que o gap entre as cervejas e as espirituosas não fosse tão elevado, mas sabemos que isso é muito improvável e, por isso, trabalhamos com o que temos. O realista e passível de ser repetido, porque tem provas dadas, é conseguir que se mantenha o congelamento da taxa, porque isso é bom para nós e para toda a cadeia de valor", defende João Vargas.
Os impostos especiais de consumo sobre o álcool valem cerca de 70 a 80% da receita total de IABA. Tradicionalmente, a parte correspondente das bebidas espirituosas situa-se entre os 50 e os 60% do total do IABA arrecadado, quando estas representam 11% do consumo total de bebidas alcoólicas em Portugal, frisa este responsável. "Nós percebemos que o vinho tem uma preponderância e uma importância cultural muito grande em Portugal. Isso vê-se nos consumos e é natural que haja essa primazia - não digo discriminação, digo primazia - em relação ao vinho", diz. E as cervejas? "As cervejas também, são empresas muito muito grandes, que representam tanto quanto as nossas vendas totais, e com os impactos que isso tem na economia nacional. Têm uma maior pegada económica", sublinha.