Assad resiste a sete anos de guerra civil e vai ficar no poder em Damasco

Conflito entra no oitavo ano sem fim à vista. Presidente sírio está confiante na vitória final. Civis são a principal vítima dos combates.
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Há uma nova geração de crianças sírias que não tem qualquer memória do seu país. Saíram com os pais ou outros familiares eram ainda demasiado pequenas ou nasceram num campo no exterior, onde vivem cerca de 5,5 milhões de pessoas que fugiram da longa guerra civil que entra hoje no oitavo ano.

A ausência de memória das crianças é acompanhada por um excesso de memórias - dolorosas - dos adultos. "Sei que não consigo, mas quero esquecer a Síria. Se pudesse, queria esquecer a minha casa, esquecer o sítio onde vivi, esquecer os meus amigos - esquecer tudo. Mas não é possível", dizia ontem à Reuters Warda, de 34 anos, mãe de três crianças, com 13, sete e três anos. Warda deixou a Síria há dois anos e vive agora com os filhos numa tenda num campo de refugiados no Líbano. Para ela, uma das maiores tristezas é a de que o filho mais novo "não saiba nada da Síria". A única memória dele é a de um campo de tendas, de condições inadequadas.

Um outro refugiado, Moussa Oweid al-Jassem, e a sua família nem teve sequer tempo de recolher de fotografias, documentos ou coisas essenciais. Tiveram de abandonar Aleppo, onde viviam, no curto espaço de uma trégua. As únicas recordações são agora virtuais.

As histórias de Warda e Moussa são dois eloquentes exemplos do que a guerra civil que opõe o regime de Bashar al-Assad a diferentes milícias da oposição e a grupos islamitas, está a destruir a vida de várias gerações de sírios. Um conflito iniciado em março de 2011, sem sinais de terminar e que, além da destruição das principais cidades e de infraestruturas do país, veio demonstrar a capacidade de sobrevivência do regime de Assad, fortemente apoiado militar e economicamente pela Rússia e Irão.

Ao fim de sete anos de combates e de, pelo menos, 500 mil mortos, entre combatentes e civis, é claro que Assad está longe de deixar o poder, conseguiu recuperar o controlo da maioria dos centros urbanos relevantes e de parte importante da população que escolheu não deixar a Síria. Ainda que estas pessoas tenham visto destruídas as suas famílias, projetos de vida, sonhos e ambições. E vivam hoje em cidades parcial ou totalmente convertidas em ruínas.

Apoiado nas tropas fiéis, em efetivos dos Guardas da Revolução iranianos, nas forças do Hezbollah libanês, em milícias de xiitas provenientes de diferentes partes do mundo muçulmano, em mercenários russos e em aviões de combate deste país, Assad prometia ontem que a "guerra não terminará enquanto um terrorista permanecer no nosso solo". O governo de Damasco considera "terrorista" qualquer pessoa ou grupo que se oponha ao regime. No texto, divulgado através do serviço de mensagens Telegram, o presidente sírio garante ainda que serão neutralizados os "desígnios ocidentais que atentam contra a unidade e soberania do nosso país".

Se é certo que a maioria das regiões mais populosas da Síria está sob domínio total ou parcial do regime de Damasco, os grupos curdos controlam uma outra parte importante assim como o Exército Sírio Livre (ESL) e grupos islamitas estão presentes em várias bolsas territoriais. E só serão desalojadas por operações militares, como sucede neste momento na área de Ghouta, nos arredores da capital. Aqui, as forças governamentais estão a empregar todos os meios para obrigarem os civis a deixarem os enclaves ainda em poder dos dois principais grupos presentes, o Faylaq al-Rahman e o Jaysh al-Islam, e para esmagarem militarmente estes últimos. As tropas do regime têm retirado dos comboios humanitários tudo o que seja material médico e as pausas nos combate têm tido curta duração.

Para hoje está prevista a entrada na região de novo comboio humanitário, que transportaria material médico, mas "só teremos a certeza quando lá chegar", explicava ontem Jan Egeland, dirigente do Conselho Norueguês para os Refugiados e conselheiro das Nações Unidas. Egeland expressou o desejo de que seja possível um cessar-fogo permanente em Ghouta, "que ponha fim a combates sem sentido numa área tão densamente povoada de civis". Mas não deixou de notar que, muito provavelmente, ainda estão para suceder "tremendas batalhas" no conflito que entra agora no oitavo ano. E deu como exemplos as cidades de Idlib, Daraa e Afrine, onde o exército turco está em vias de completar o cerco da localidade controlada pelas milícias turcas do YPG. Ancara considera estas milícias uma emanação do PKK, movimento que reivindica a independência do Curdistão turco, e quer desalojá-las de uma região que poderia servir de retaguarda segura para os segundos.

A intervenção militar robusta da Turquia numa zona ganha pelas milícias turcas ao Estado Islâmico veio adicionar novo fator tensão no conflito. Não só as milícias curdas são apoiadas pelos EUA, como na área estão presentes forças pró-Damasco, que teriam estabelecido um acordo de não-agressão entre ambas. Em resultado disso, algumas posições anteriormente nas mãos do YPG passaram para o controlo daquelas, que foram ontem bombardeadas por aviões turcos.

As operações militares em Afrine deverão ainda ser demoradas, não se prevendo que as milícias curdas não combatam até ao limite das possibilidades. Outra prova de que aquilo que se iniciou como um processo de contestação ao regime de Assad, foi ganhando contornos de conflito regional e de violenta competição entre diferentes Estados.

O desejo de mudança de regime começou a ser capturado, desde cedo, pelas estratégias de países como a Arábia Saudita ou outros Estados da região do Golfo assim como pelo Irão, que sempre teve no regime alauita de Damasco um aliado. A desagregação da Síria forçou também uma intervenção mais ativa da Turquia, crítica de Assad. Em todo este processo, está presente a profunda clivagem entre sunitas e xiitas (os alauitas são um dos ramos do xiismo), sublinhada também pelo breve período em que o Estado Islâmico foi um ator de relevo no conflito.

Ao entrar-se no oitavo ano da guerra civil, Assad não caiu, a Síria está praticamente destruída e a população vive refém da violência de todos os intervenientes no conflito.

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