ASFIXIA DEMOCRÁTICA

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O senhor primeiro-ministro lançou o tema eleitoral do casamento dos homossexuais, monopolizando atenções com forte controvérsia nacional. A Conferência Episcopal emitiu uma Nota Pastoral sobre o tema, que foi anunciada pelo seu porta-voz, dizendo: "Na hora do voto, os cristãos tirarão as suas conclusões" (10/Fev.). Isto foi visto como uma ameaça de a Igreja vir a criticar o voto no PS.

Sem entrar na questão subjacente é preciso dizer que a discussão mediática do tema está a ser desastrada. Nem vale a pena referir a furiosa classificação de "discriminação" e "homofobia" que os militantes lançam sobre aqueles que se opõem à proposta. Discriminação é violação da lei e homofobia um crime gravíssimo. Nenhuma pode ser confundida com diferenças de opinião. Mas quem pretende alterar um dos conceitos-base da civilização milenar, a definição de casamento, tem de gritar bem alto para ver se as pessoas não reparam na aberração. Estes debates só seriam razoáveis se conduzidos com respeito e elevação.

Também é incompreensível que o director adjunto de um semanário tenha censurado a referida frase do porta-voz episcopal classificando-a de "resvalar para o terreno das interferências político-partidárias" (Sol, 14/Fev., pág. 5). Será que a Igreja é a única entidade que não pode expressar opinião política em Portugal? Teria sido melhor dizer que na hora do voto os cristãos NÃO tirarão as suas conclusões?

O secretário da Conferência Episcopal Portuguesa, Pe. Manuel Morujão, emitiu um esclarecimento sobre a declaração (11/Fev.) e a Nota Pastoral dos bispos (20/Fev.) refere apenas aspectos doutrinais sem tocar na questão eleitoral. A censura eclesial explícita ao PS parece eliminada. Deveria ser?

É bom começar por não confundir os lados. Não restam dúvidas de que o primeiro-ministro quis afrontar abertamente o ensino da Igreja (tal como afronta a opinião de milhões de entidades de todos os tempos e locais). A resposta dos bispos, comedida como sempre, é apenas reacção à agressão consciente. Os prelados afirmaram e explicaram as suas posições, radicalmente opostas à orientação eleitoral do PS, cabendo aos cristãos tirar as conclusões, como foi dito. Mas deveriam os bispos recomendar explicitamente uma orientação de voto?

Portugal vive hoje uma evidente asfixia democrática. Não temos um regime fascista ou sequer uma democracia musculada como na Venezuela, tão admirada em círculos governamentais. Mas 35 anos depois da revolução é evidente uma latente erosão da liberdade política executada pelo Governo e aparelho de Estado. Os grupos económicos, incluindo de comunicação social, estão silenciados por interesses e influências. Repetem- -se casos individuais de manipulação administrativa, abuso de poder e chantagem. A Justiça não funciona e a fiscalização estrangula. Figuras públicas de referência, até dessa área política, avisam. Resvalamos para uma república sul-americana.

O caso da Igreja é marcante. Repetem-se as provocações e práticas antigas são ameaçadas. Múltiplas instituições de saúde, ensino, cultura e apoio social vivem sob ameaça de abuso inspectivos ou corte de subsídio. A demora na regulamentação da Concordata (assinada há cinco anos!!) é paradigmática.

Os bispos quando falam não devem expressar- -se como lhes apetece. Têm de pensar na multidão de pobres, idosos, crianças e doentes que dependem deles. Desde o Império Romano que os cristãos conhecem a prudência de viver em situações de restrição de liberdade.

Quer isto dizer que a Igreja portuguesa está presa e enfeudada ao poder? A Nota Pastoral mostra que os pastores defendem os valores. Mas o seu tom manifesta um facto simples: o Estado português nacionalizou as esmolas. Em nome do que chama política social, tributa furiosamente, assegurando resolver problemas que permanecem. A Igreja continua a ser, como sempre na História, quem mais trata dos necessitados. Mas agora o sistema dá a funcionários e ministros o domínio financeiro. Até quando cumpre promessas eleitorais o poder instalado promove a asfixia democrática.|

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