Ascensão e queda de Jacob Zuma: ex-presidente entrega-se na prisão
Durante o apartheid, Jacob Zuma passou dez anos na prisão de Robben Island (a mesma onde estava Nelson Mandela) por conspirar para derrubar o governo. Agora regressa à prisão por desacato ao tribunal, tendo recusado testemunhar diante dos procuradores anticorrupção. Após ter tentado inicialmente lutar contra a decisão, o ex-presidente da África do Sul entregou-se para cumprir 15 meses de prisão, devendo poder pedir a liberdade condicional já dentro de quatro. Segundo a filha, foi de bom humor para a prisão de Estcourt, na província de KwaZulu-Natal onde nasceu há 79 anos, dizendo esperar que ainda tenham o uniforme que usou em Robben Island.
A detenção é histórica porque é a primeira de um ex-presidente sul-africano no pós-apartheid e mostra que "ninguém está acima da lei", segundo os ativistas anticorrupção. Mas, alertam, o antigo líder do Congresso Nacional Africano (ANC) foi preso por desrespeito ao tribunal, não pela corrupção, fraude e extorsão que terão marcado os anos da sua presidência (2009-2018). Para trás já tinham ficado outras acusações, até de violação, sendo conhecido como o "presidente teflon", onde nada agarrava.
"A sua estratégia legal tem sido uma de ofuscação e atrasos, para em última análise tornar os nossos processos judiciais ininteligíveis", disse a Fundação Nelson Mandela. "É tentador olhar para a detenção de Zuma como o fim da linha" em vez de "simplesmente outra fase num longo e difícil caminho". O mesmo defendeu o principal partido da oposição, a Aliança Democrática. O ANC, que Zuma liderou de 2007 a 2017, disse "respeitar" a "brava e difícil decisão" deste se entregar e cumprir a lei, reiterando o seu compromisso para com a Constituição, o Estado de direito e a independência do poder judiciário. Apelou ainda aos seus militantes para que "fiquem calmos".
Condenado por desrespeito pelo Tribunal Constitucional no dia 29, Zuma tinha recebido ordens para se entregar às autoridades até domingo. Mas recusou fazê-lo, tendo pedido a suspensão da pena e tentado lutar contra a decisão. "Mandar alguém para a prisão sem julgamento é uma farsa de justiça", disse. "Mandar-me para a prisão no auge de uma pandemia, na minha idade, equivale a condenar-me à morte", acrescentou. Entretanto, tinham sido dados três dias à polícia para o prender. Junto à sua casa, centenas de apoiantes diziam-se contudo prontos para travar qualquer ação policial. O ex-presidente acabaria por decidir entregar-se quando ia terminar esse prazo.
Segundo o ministro da Justiça, Ronald Lamola, Zuma ficará 14 dias em quarentena, por prevenção por causa da pandemia, e depois será tratado como qualquer outro detido do centro correcional, com capacidade para 521 presos. "Queremos garantir a todos os sul-africanos que o ex-presidente Zuma terá toda a dignidade durante a sua pena", acrescentou.
Jacob Gedleyihlekisa Zuma - o seu nome do meio significará "aquele que ri enquanto oprime os seus inimigos" - nasceu a 12 de abril de 1942 em Nkandla, na província de KwaZulu-Natal. Após a morte do pai, mudou-se com a mãe para a casa dos avós, tendo começado a partir dos oito anos a cuidar do gado que estes tinham. Cresceu sem educação formal e aos 17 anos juntou-se ao ANC, acabando por aderir ao seu braço militar quando o partido foi ilegalizado.
Em 1963 foi condenado por tentar derrubar o governo, tendo cumprido uma pena de dez anos de prisão em Robben Island. Quando saiu, organizou as redes clandestinas do partido e, já no exílio, foi o responsável pelos serviços de inteligência do ANC. Regressou ao país em 1990 e participou nas negociações chave para a realização das primeiras eleições gerais, de 1994 - ganhas pelo ANC, que está no poder desde então.
Vice-presidente do partido desde 1997 e do país desde 1999, foi afastado deste último cargo em 2005 por Thabo Mbeki (de aliados passaram a inimigos) já por suspeitas de corrupção. Mas isso não impediu que chegasse a líder do ANC em 2007, depois de afastar Mbeki. Dois anos depois, era eleito presidente, sendo reeleito em 2014. Mas não terminou o segundo mandato, sendo forçado pelo ANC a deixar o poder em 2018 (demitiu-se antes de ser alvo de uma moção de censura). Foi sucedido pelo ainda presidente Cyril Ramaphosa, que já liderava o partido desde 2017.
Volta a tribunal pela primeira vez em 2006, sendo ilibado de uma acusação de violação. Já presidente, seria acusado de usar fundos públicos para fazer obras numa residência privada e de permitir que os Gupta, uma abonada família indiana, tivessem influência sobre o seu governo. Em maio deste ano, começou a ser julgado por alegadamente aceitar subornos da empresa de armas francesa Thales, de forma a garantir contratos com a África do Sul, crime que remonta a 1999, quando era vice-presidente.