Ascensão e queda de D. Branca, a "banqueira" que tinha passe social - livro

O livro de Pedro Prostes da Fonseca conta a história da "banqueira do povo" que oferecia juros de 10%, gostava de champanhe, tinha passe da Carris, foi condenada a 10 anos de prisão e morreu, sozinha, num lar.
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"Ganhara certos hábitos de rica -- não prescindia de champanhe francês, muitas vezes logo de manhã --, mas ao mesmo tempo continuava-lhe colada a origem social: tinha passe da Carris e mandava consertar o calçado ao sapateiro", descreve o jornalista Pedro Prostes em "Dona Branca -- A Verdadeira História da Banqueira do Povo" (Dream Editora), nas livrarias a partir de 01 de junho.

A mulher que deu milhares de escudos a ganhar a milhares de pessoas ao longo de anos, numa atividade que, na altura, levantava dúvidas de legalidade, com juros seis vezes mais altos do que os praticados pelos bancos, foi condenada aos 78 anos pelo crime de burla agravada e pela emissão de 31 cheques sem cobertura. Deixou centenas de lesados.

Além de revolver o processo legal do primeiro escândalo financeiro da democracia portuguesa, o jornalista (ex-Lusa, ex-24 Horas e ex-Sol) conta a vida de Branca dos Santos, nascida em 1911. Não sabia ler, apenas sabia assinar o nome, mas tinha muito jeito para os números.

Ao longo de 228 páginas, o jornalista, autor do livro "A Porta da Liberdade", sobre a fuga de Álvaro Cunhal de Peniche, conta agora como começou, na década de 40 do século passado, o negócio de emprestar dinheiro, a começar pelas peixeiras.

"Branca pagava juros a 8% ao mês (só subiria para os 10% muito mais tarde) a quem depositava e concedia empréstimos a 12% e 15%", descreve.

O início do negócio está associado às varinas na zona do Intendente, em Lisboa, nesses anos da década de 40.

"Guardava o dinheiro da venda das varinas, recebendo no final dos dias uma pequena compensação. Com o tempo, acumulou o suficiente para emprestar, com juros, às varinas para irem à lota comprar peixe, copiando o negócio da Nazaré", descreve o autor.

A vida corre-lhe bem e recebe uma herança, permitindo-lhe ter mais dinheiro, e o negócio de "banqueira" vai crescendo.

Cresceu tanto que nos anos 70 e 80, no meio de mais uma crise - quando os sindicalistas se manifestavam com bandeiras pretas da fome no distrito de Setúbal -- os juros subiram aos 10% e o negócio floresceu.

O êxito foi tal que acabou por ditar o seu fim. Com muitos milhares "depositados", uma atividade que levantava dúvidas ao fisco e ao Governo, e as notícias de primeira página nos jornais, a "banqueira" acabaria por ser detida, a 08 de outubro de 1984.

O processo, de Maria Branca dos Santos e mais 68 arguidos, começou a ser julgado em 1988, por crimes de associação criminosa, burla agravada e emissão de cheques sem cobertura.

A sentença, num processo atribulado, aconteceu em 1990 e D. Branca foi condenada a 10 anos. Já não voltou à prisão, dado que tinha sido libertada em agosto de 1988 e nessa altura estava internada numa clínica.

Quase até ao fim da vida, esteve consciente, ao contrário do que invocou o seu advogado para justificar a sua ausência do julgamento.

Nos últimos meses de vida, nunca saiu à rua. Tinha poucas visitas. À porta da clínica chegaram a passar pessoas a gritar "Ladra! Ladra!"

Afinal, houve um grande número de lesados que não receberam juros e muito menos recuperaram o dinheiro "depositado".

Branca dos Santos morreu aos 80 anos, em 1992, num lar, em Lisboa, onde eram poucos os que a visitavam. Como poucos foram os que assistiram ao seu funeral: cinco pessoas.

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