As visitas de quatro Papas ao país de Fátima
O país que acolheu o Papa Francisco em 2017, para o centenário das aparições de Fátima, não é o mesmo que recebeu o Papa Paulo VI em maio de 1967. Não é apenas o tempo que separa a vinda dos dois (ou dos quatro que já estiveram em Portugal, em seis visitas) - é também o modo. Uma realidade social que mudou muito até nos últimos seis anos. Embora seja sempre por causa de Fátima que Portugal entrou no roteiro da Igreja Católica, desta vez o centro das atenções é Lisboa, palco principal da Jornada Mundial da Juventude (JMJ).
Esta será a mais longa visita papal a Portugal, e também uma das estadias mais prolongadas do Papa Francisco num só país. Francisco chega a Lisboa na quarta-feira de manhã, passa por Fátima no sábado, e regressa a Roma no domingo. Serão cinco dias de encontros formais e informais com as autoridades, mas sobretudo com jovens, o grande propósito do papa.
Francisco será, sem dúvida, aquele que goza de popularidade ímpar na história da Igreja, é citado e admirado até pelos não-crentes, mas que o admiram enquanto líder, pela maneira como ousa falar de todos os temas da atualidade, até nos que são habitualmente tabu para a própria Igreja Católica. Da última vez que esteve em Portugal, para o centenário das Aparições, todo o foco esteve em Fátima. Já se sabia da [sua] devoção mariana, mas a partir daí também ele se tornou um Papa peregrino de Fátima. Como antes acontecera com João Paulo II, que de resto tem uma estátua no recinto do Santuário.
A primeira visita de um papa a Portugal aconteceu em 1967, quando Paulo VI se deslocou a Fátima para os 50 anos das Aparições. A memória de Maria Francisco, 73 anos, transporta-a para "uma noite de chuva, um recinto de terra batida, e muita, muita gente". Tinha 17 anos e foi a pé, desde uma aldeia perto da Figueira da Foz até Fátima. "Havia muito poucos carros nessa altura. As pessoas iam a pé. E rezava-se muito, sobretudo por causa dos que iam para o Ultramar". Nessa altura já uma estátua de Paulo VI se erguera em Leiria, num largo que se encheu para o homenagear, sabendo-se que aterrara na base aérea de Monte Real. "Ele tinha recebido há pouco tempo os movimentos de libertação de Angola, Guiné e Cabo Verde. Houve quem não gostasse. Quando chegámos junto da estátua, alguém tinha posto um pneu à volta do seu pescoço, em sinal de protesto", lembra São Graça, 69 anos, nascida numa aldeia próxima de Ourém. Agente de viagens, perdeu a conta às vezes em que já esteve em Roma, sozinha ou como cicerone de grupos organizados. Em Fátima, participou apenas nas visitas dos papas Bento XVI e Francisco, que considera "único, um fenómeno de Deus na terra".
Depois da visita de Paulo VI passaram 15 anos até Portugal receber, de novo, um papa. Aconteceu com o carismático João Paulo II, em 1982 - quando veio a Fátima agradecer ter sobrevivido ao atentado que sofrera, um ano antes, em Roma. Em 1991, volta a Portugal, de novo a Fátima. Voltará pela terceira e última vez em 2000, já bastante debilitado, para presidir à celebração de beatificação de Francisco e Jacinta Marto. Passados dez anos, foi a vez de Bento XVI, que já estivera antes em Fátima mas apenas enquanto cardeal Ratzinger. Foi ele o guardião do terceiro segredo, depois de ter estado reunido com a Irmã Lúcia, no Carmelo, em Coimbra, em 1996, por ocasião da peregrinação internacional aniversária, a que presidiu.
Na noite de 12 maio de 1967, em Fátima, Salazar não conseguiu mais que uma breve conversa de oito minutos com o papa. Paulo VI aterrou na base aérea de Monte Real para uma visita pastoral e não oficial, num período de tensão nas relações entre Portugal e o Vaticano, depois da visita do papa à Índia.
Nem o Governo nem o presidente do Conselho, Salazar, gostaram que Paulo VI tivesse visitado a Índia em 1964, três anos após a invasão de Goa, Damão e Diu pelo Estado indiano, considerando a deslocação um "insulto à nação portuguesa". A visita a Fátima teve grande adesão popular, com milhares a aplaudirem, no percurso entre Monte Real e a Cova da Iria, o papa que, três anos antes, tinha anunciado a concessão ao santuário da Rosa de Ouro (distinção atribuída pelo papa a personalidades, santuários, igrejas ou cidades por serviços prestados à Igreja ou a bem da sociedade).
O padre Anselmo Borges (ordenado nesse ano, no Santuário), lembra-se bem do carisma do papa, em plena guerra fria. Ainda o está a ver de punhos cerrados no ar, a clamar pela paz no mundo: "homens, sede homens!". Foi ele, afinal, o primeiro papa a pisar Portugal.
"Venho hoje aqui porque exatamente neste mesmo dia do mês, no ano passado, se dava, na Praça de São Pedro, em Roma, o atentado à vida do papa, que misteriosamente coincidia com o aniversário da primeira aparição em Fátima, a 13 de maio de 1917", disse João Paulo II, naquela que foi a sua primeira visita a Fátima, em maio de 1982. Ironicamente, na noite de 12 de maio, volta a ser alvo de um atentado, quando o ex-sacerdote integrista Juan Fernandez Khron (antigo discípulo espanhol do arcebispo ultraconservador francês Marcel Lefébvre) tenta atingi-lo com uma faca, acusando-o de trair a Igreja. Valeu a prontidão de um dos polícias portugueses que escoltavam o Sumo Pontífice. O papa escapou ileso.
Além de Fátima, nesta primeira visita a Portugal o papa polaco deslocou-se a Lisboa, Coimbra, Vila Viçosa, Braga e Porto.
Em 1984 o papa oferecera ao Santuário de Fátima a bala que o atingiu no abdómen no atentado de Roma, projétil que em 1989 foi incrustado na coroa da imagem de Nossa Senhora. E dois anos depois, em 1991, João Paulo II regressava para nova visita a Portugal. Foi a maior operação de segurança conhecida até então, numa visita acompanhada a par e passo pelos media. Lisboa, Açores e Madeira também receberam Karol Wojtyla. À época, Mário Soares era Presidente da República e Cavaco Silva primeiro-ministro. Soares - republicano e laico - aproveitou a presença do papa para alertar para a situação em Timor-Leste, ainda a viver sob ocupação militar indonésia, desde 1975.
João Pimpão, hoje com 47 anos, presidente da Junta de Freguesia de Meirinhas (Pombal), tinha apenas 16 anos mas conseguiu integrar a comitiva de jornalistas que acompanhava o papa. "Foi a vez em que estive mais perto de Deus", conta ao DN, ele que nessa altura acompanhava o pai, o jornalista Pimpão dos Santos, já falecido. Nunca esteve perto do Papa, mas fotografou-o, de longe, como os outros.
Quando João Paulo II regressa pela última vez a Portugal, em maio de 2000, já muito debilitado, sabia-se que, provavelmente, seria a última vez do papa peregrino em Fátima. "A expressão mais alta do reconhecimento de Fátima por João Paulo II teve lugar a 13 de maio de 2000, com a beatificação dos dois videntes mais novos (Francisco e Jacinta Marto) e o anúncio da publicação da terceira parte do segredo", considerava, na altura, Luciano Guerra, antigo reitor do Santuário. A terceira parte do Segredo inclui precisamente a referência a um atentado contra a figura do Papa, tendo João Paulo II ligado essa revelação ao acontecimento de 13 de maio de 1981, em Roma, ao qual sobreviveu por - disse-o várias vezes - "uma mão materna" ter desviado a trajetória da bala. O conteúdo [desse terceiro segredo] foi redigido por Lúcia na década de 40 do século passado. As duas primeiras partes (a visão do inferno e a devoção ao Imaculado Coração de Maria) foram reveladas em 1941; a terceira (a visão da Igreja peregrina e mártir e da cidade em ruínas), redigida em 1944, permaneceu sob reserva e foi revelada publicamente em Fátima, precisamente no ano 2000.
Quando Bento XVI visitou Portugal, entre 12 e 14 de maio de 2010, o recinto do Santuário de Fátima não lhe era de todo desconhecido. Muito menos o conteúdo da Mensagem de Fátima. Enquanto cardeal Joseph Ratzinger presidira às celebrações de 13 de outubro de 1996. Mas a sua ligação é anterior: como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, tinha estudado as Aparições e a Mensagem de Nossa Senhora.A visita incluiu também uma missa na Praça do Comércio, em Lisboa, que juntou cerca de 500 mil pessoas, e outra no Porto, na Praça da Liberdade. Mas antes de chegar, já durante a viagem de Roma para Lisboa tinha a mensagem preparada. E era para o interior da Igreja: "A maior perseguição à Igreja não vem de inimigos de fora, mas nasce do pecado da Igreja." Era a primeira vez que o papa se referia aos escândalos de pedofilia que já então afetavam a imagem da hierarquia católica.
A 12 de maio de 2017, Francisco tinha à sua espera milhares de peregrinos. Estima-se que tenham chegado ao milhão de pessoas, no dia seguinte. O helicóptero que o transportava aterrou às 17h45 daquela sexta-feira no estádio de Fátima, que já tinha o seu nome. Daí seguiu para o Santuário em viatura aberta (o famoso papamóvel), num percurso com cerca de quatro quilómetros. Francisco não ia a Fátima apenas celebrar os 100 anos das aparições. Na verdade, coube-lhe também canonizar os beatos Francisco e Jacinta Marto, os dois irmãos pastorinhos que morreram no meio de uma pandemia (a pneumónica). Um mar de gente assistiu a tudo. Na noite de 12 de maio, as cerimónias que incluíram a procissão das velas foram testemunhadas pelas mais altas figuras do Estado, uma vez que essa visita foi apenas dirigida a Fátima. Ficou apenas 23 horas em Portugal. Mas terá sido uma das mais marcantes visitas, entre as seis que até hoje se registaram.
paula.sofia.luz@ext.dn.pt