As velas nem sempre ardem até ao fim
Num romance intitulado L"oeuvre (A Obra), publicado em 1886, Émile Zola retrata o mundo dos artistas através de um pintor maldito, Claude Lantier. O nome pertence ao reino da ficção, mas o resto nem tanto. Esta é uma personagem que concebeu na evocação do amigo Paul Cézanne e das profundas inquietações dele - um artista incompreendido nessa época do Impressionismo, a que acabou por conferir inovação nas formas, com reconhecimento póstumo. Danièle Thompson, realizadora de Cézanne e Eu, documentada sobre o desgosto de Cézanne perante a usurpação literária de Zola (que, inclusive, termina o livro com o suicídio de Claude Lantier diante de uma tela inacabada), agarra neste litígio de amigos para dar ao filme a sua engrenagem. Numa conversa que poderia ficar pela intensidade de um dia ou de uma noite inteira, como no belíssimo livro do húngaro Sándor Márai, As Velas Ardem até ao Fim, Thompson comete a imprudência de ir intercalando fragmentos das vidas do pintor e do escritor, desde a infância, quando se conheceram, retirando fôlego ao momento do confronto iniciado por Cézanne: "Quem é este monstro? Sou eu?"
Havia claramente um jogo a explorar no escritório burguês de Zola, no encontro sugestivo entre estes velhos homens, de alma carcomida, com queixas ora de impotência ora de diabetes. Guillaume Gallienne, ator da companhia de teatro Comédie-Française, e Guillaume Canet, respetivamente, Cézanne e Zola, prestam um enorme serviço dramático ao texto de Thompson, mas não impedem a estrutura novelesca (no sentido televisivo do termo) de que se faz o filme...
E, contudo, não deitemos fora o bebé com a água do banho. É bom perceber que existe uma vontade de regressar aos protagonistas da arte, como se viu com Renoir (2012), de Gilles Bourdos. Digamos que só falta saber pintar no grande ecrã.
* Crítica de cinema