AS SETAS DE CARTÃO

Publicado a
Atualizado a

Não cheguei a perceber para que eram as setas. A quem ou o que apontavam. Que coreografia lhes terá, teria, dado sentido. Como teriam, terão, passado o que o velho Nietzche chamou " a flecha do desejo para a outra margem", se é que a tal se propunham os archeiros de bancada. Refiro-me às setas em grandes cartolinas, de que ouvi falar na rádio, antes do jogo de Alvalade, e que mal vislumbrei na transmissão televisiva. Talvez os adeptos tenham declinado o propósito inicial, talvez a sorte do dérbi lhes não tenha dado vento favorável. O Dicionário Houaiss confere à palavra seta, em sentido figurado, o significado de dito sarcástico, algo que fere a sensibilidade de outros. A minha ficou incólume, ainda que uma única vez me tenha pousado na menina dos olhos uma cartolina com a seta deitada, apontada a nenhures, sinal de que, para meu descanso, a Sport TV não foi na cantiga dos apanhadinhos do ecrã. Escapou-me a eventual legenda falada do acto talvez falhado, lançado como estava ao irreprimível menoscabo de Di Maria a quem, assim tivesse delegação, de bom grado aconselharia o futsal, ou ao vilipêndio do abnegado Bynia, a quem, no tropel de berros diante do televisor, vou recomendando a não menos nobre modalidade do full-contact. Poupo-vos às atoardas contra Ed Carlos, na feliz ausência de Luís Filipe, e até um pouco, Deus me perdoe, contra o próprio Camacho sempre que lhe adivinhei perdido o papel das tácticas. Às vezes, no calor da refrega, sou um pouco mais desmazelado com o latim, mas também Paulo Bento se deve aprecatar. Este domingo ficou mal na fotografia quando reagiu, a quente, ao árbitro, perante câmaras sequiosas de lhe soletrar os lábios. Ao menos eu vocifero dentro de casa. E, as mais das vezes, contra os meus.

Assim, perdi a chave do puzzle. E não a encontrei na imprensa generalista da manhã seguinte. Mas, se a ideia era achincalhar os da minha tribo, redobrado prazer me deu o gesto com que Cardozo embalou os archeiros desalentados. Como uma seta, o paraguaio acabara de introduzir na baliza a bola que Rui Costa lhe serviu com a precisão de um arco tenso. E festejou embalando a menina.

As algemas

Estranha celebração foi a de Tim Cahill, do Everton, após o golo contra o Portsmouth. Cahill correu para os adeptos esticando os braços como se estivesse algemado. Depois explicou que quis lembrar o irmão recentemente preso. O gesto não foi consensual e o Everton, em comunicado, ligou o festejo dos golos à liberdade criativa dos jogadores, mesmo "algemada".

Cahill é australiano. E eu remoo: as setas de Alvalade tiveram um curioso efeito de boomerang.| *TSF

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt