"As relações entre EUA e Portugal estão num máximo histórico"
Embaixador em Lisboa desde agosto, o americano George Glass conheceu Portugal em 2014 quando viajou com a mulher, Mary, pelo país. Católicos, o casal fez então paragem obrigatória em Fátima. Nesta que é a primeira entrevista formal desde que o presidente Donald Trump o nomeou embaixador, ficou combinado falar só sobre as relações bilaterais, que diz estarem num máximo histórico. Mesmo assim, acredita que a nível económico muito pode ser feito ainda e quer ajudar. A conversa decorreu no edifício principal da embaixada e houve tempo para mostrar a capela do século XVIII, parte do complexo em Sete Rios.
Houve notícias recentes sobre problemas com Portugal e o Programa de Isenção de Visto americano. Tem algo a dizer aos portugueses sobre isso?
Sim, também li essas notícias. O Programa de Isenção de Visto não mudou nada, não há quaisquer mudanças, mas sim a implementação das próprias regras do programa. Há uma taxa de excesso de permanência no país que quando passa os 2% e isso é verificado resulta numa informação pública para comunicar aos portugueses que já ultrapassaram, mas isso não muda em nada o Programa de Isenção de Visto. Neste momento, não há qualquer perigo de que ele seja afetado. Não há mudança de regras, há apenas o reconhecimento das regras existentes. Esta taxa de excesso de permanência está levemente acima dos 2%. Se esta monitorização for em frente não vejo que afete em nada, queremos encorajar o máximo possível as visitas dos portugueses.
O seu antecessor fez observações iniciais sobre a solução parlamentar portuguesa em que demonstrou algum receio da influência de dois partidos anti-NATO, depois mudou de opinião. Como novo embaixador, nomeado já pelo presidente Trump, como é que retrata as relações entre os Estados Unidos e Portugal neste momento?
As relações entre os EUA e Portugal estão num máximo histórico. Ao chegar, um dos aspetos difíceis deste trabalho foi que nós queríamos continuar e levar as coisas a um novo nível; quando comecei, os nossos dois países tinham uma parceria maravilhosa e a avançar, só encontrei uma cooperação extraordinária de ambos os lados para continuar. Temos vários programas a decorrer, os portugueses estão a trabalhar connosco no combate a incêndios e na especialização também nessa frente, em questões económicas, o capital e as empresas norte-americanos estão a entrar. A única coisa que tenho visto é uma enorme cooperação. A nível da acessibilidade também. O governo, as autoridades, os empresários, os gestores, a população em geral, todos querem avançar.
O aumento no orçamento militar dos EUA decidido pelo presidente Trump é, de alguma forma, boa notícia para as Lajes, irá afetar o investimento na base?
Penso que não afeta as Lajes, que eu saiba não há qualquer efeito sobre o orçamento das Lajes. Nós diminuímos a dimensão da base das Lajes e esse processo está a correr. As Lajes foram redimensionadas e as operações que lá decorrem estão exatamente à medida do que o Departamento da Defesa quer. Penso que há muitas oportunidades nas Lajes e nos Açores. Reuni-me com o presidente Vasco Cordeiro, tivemos várias conversas sobre isso e tudo está a avançar. No aspeto económico há a oportunidade do gás natural liquefeito - em que os EUA, que eram um dos maiores importadores, estão a passar a ser o maior exportador do mundo -, há aí a oportunidade para Portugal pensar em grande e ser bastante arrojado nesta situação. Nós temos a entrega no porto de Sines, juntamente com a capacidade de abastecimento de reservatórios nos Açores e na Madeira, há aí um cenário de vasto crescimento económico ligado com o GNL que está disponível. Há, portanto, muita coisa a avançar, tanto nas Lajes como nos Açores, é uma época estimulante.
Deixe-me insistir um pouco nas Lajes, de outra maneira. O senhor é um homem do Oregon, na costa do Pacífico. É verdade que a América está a olhar cada vez mais para o Pacífico ou o Atlântico ainda é uma prioridade ?
Absolutamente. É engraçado, nos Estados Unidos ou se é da costa esquerda ou da costa direita, eu sou da costa esquerda, vivo no Oregon e nós estamos focados no Pacífico. É verdade que, ao longo do tempo, particularmente a nível económico, o foco tem estado aí, mas isso está a mudar agora, com o brexit a acontecer, a renovação das ligações comerciais, e esse assunto a surgir em 2018 com a UE, Portugal vai estar mesmo no centro da questão, assim como a necessidade de nos focarmos no Atlântico tanto do ponto de vista económico como do ponto de vista da defesa. Quando olhamos para Leste e para as capacidades da Rússia, o que eles têm a nível de marinha a operar no Atlântico, temos de nos concentrar no oceano Atlântico tanto a nível económico como a nível de defesa.
Gostaria de ver um aumento da contribuição portuguesa para a NATO? Os tais 2% do PIB.
Se eu gostaria de ver isso? Sim. Essa é uma parte importante das preocupações do governo. Neste momento Portugal tem uma contribuição de 1,4% do seu PIB para a defesa e, obviamente, segundo o Acordo de Gales, a contribuição deve ser de 2% para todos os membros da NATO, mas isso é para 2024. Assim, enquanto esse planeamento avança, nós estamos a trabalhar com os portugueses para ajudar da maneira que pudermos para que isso aconteça. Penso que os portugueses estão a trabalhar para o crescimento da sua economia, também direcionada para o Atlântico, e, portanto, vão ter a capacidade de resolver e assegurar isso. Existe uma muito boa parceria a avançar, já tivemos muitas conversas sobre essa frente e com muito bons resultados. Houve uma reunião do ministro da Defesa com o secretário Mattis há poucos meses, em que o ministro reafirmou a vontade de chegar aos 2% em 2024.
Já que falamos de organizações internacionais, abordemos a ONU, até porque António Guterres é provavelmente hoje o português mais famoso nos Estados Unidos
Ou Ronaldo [risos].
... depois de Ronaldo [risos]. Como é que vê a influência de Guterres em termos das relações das Nações Unidas, e até de Portugal, com os EUA?
Não conheço António Guterres pessoalmente, mas penso que a posição dele no mundo é algo de que Portugal deve ter orgulho, é muito importante e atrai, de facto, atenção para Portugal. Ele está a fazer coisas maravilhosas. Entre ele e o ministro das Finanças como presidente do Eurogrupo, literalmente, o Ronaldo, por muito que tenhamos achado graça, a realidade de Portugal no mundo, a sua representatividade a nível de lideranças é um enorme ativo, pôs verdadeiramente Portugal no mapa.
Notou alguma espécie de química pessoal entre Guterres e Trump?
O comentário do presidente Trump é muito positivo, juntamente com a embaixadora Haley que afirma que o trabalho conjunto é muito positivo e acho que isso é um tributo ao secretário-geral Guterres. Durante a campanha, o presidente Trump falou da ONU e do seu papel no mundo. Eu acho que o presidente valoriza muito o papel da ONU e penso que isso se deve, em parte, à liderança de António Guterres.
O que é que podemos desenvolver em termos de cooperação económica entre Portugal e os Estados Unidos?
Há quatro anos a Mary e eu viemos cá numa peregrinação a Fátima. Viajámos para norte a partir de Lisboa e ficámos durante bastante tempo, e o que vimos foi 17% de desemprego, pior ainda, abaixo dos 25 anos a taxa de desemprego estava entre os 30% e os 40%. Agora pudemos voltar e ver a vitalidade e a atividade em cidades como Lisboa e Porto. Esta deve ser a época mais entusiasmante a nível económico para Portugal desde há décadas. Quando fomos à Web Summit - o meu passado tem que ver com tecnologia e investimento bancário -, foi extraordinário, penso que se recuássemos quatro ou cinco anos e apresentássemos esse cenário, o de que Lisboa iria receber a maior conferência tecnológica do mundo, que iria ter 60 ou 70 mil visitantes a participar, acho que ninguém iria acreditar. Este volume de confiança para avançar leva a que a economia possa expandir-se aqui; tem as subidas dos ratings da Standard & Poor"s, da Fitch, e tenho a certeza de que a Moody"s as acompanhará em breve; o país consegue pedir emprestado a dez anos a uma taxa abaixo dos 2%; a facilidade de acesso a capital global que está a verificar-se. Com tudo isso, a taxa de crescimento deverá ser extraordinária. As oportunidades estão aí. Estive na Câmara de Comércio Americana com vários líderes empresariais que me perguntaram em que setores é que eu achava que estavam essas oportunidades e eu devolvi-lhes a questão perguntando-lhes em que setores é que eles achavam que elas não existiam. Quer dizer, estão em tudo, da biotecnologia à tecnologia, aos cuidados de saúde, aos combustíveis, à energia. Portanto esta é uma ótima altura para ter uma formação na área da banca e poder estar aqui para participar. Nesta missão, a todos os níveis, toda a gente nesta embaixada está a trabalhar com esses objetivos, por isso é uma época entusiasmante.
O DN está a publicar às sextas-feiras reportagens sobre os portugueses na América e toda a gente fala sobre o sonho americano. Nós estivemos na Califórnia, mas não no Oregon, provavelmente porque não há lá uma grande comunidade portuguesa [risos]. Que ideia tem dos luso-americanos?
É muito interessante - tenho de contar um pouco da história aqui -, desde que cá estivemos há quatro anos que decidimos que este era um lugar em que achávamos que os nossos valores se integravam muito bem, por isso, a Mary e eu, quando estávamos de partida andámos à procura de maneiras para podermos voltar e passar longos períodos, não fazíamos ideia de que quatro anos depois estaríamos de volta neste papel. Mas, quando voltámos para os EUA e nos apercebemos realmente de onde, quem era e como existia esta comunidade portuguesa nos EUA vimos que era enorme e alargada. Até nos rimos, porque era quase como a irlandesa - sabe como toda a gente nos EUA é em parte irlandesa -, bom, descobrimos que toda a gente na América é em parte portuguesa. Voltámos e passámos seis meses em Nova Jérsia com aquela multidão luso-americana, que ficou bastante presente nas nossas vidas. Quando passámos pelo processo de audição no Senado vimos quantos congressistas e senadores são do grupo luso-americano. É uma daquelas coisas a que não prestamos verdadeira atenção na vida, mas quando ficamos atentos percebemos como os portugueses emigraram e descobriram a Califórnia, tanto na área de Fresno como na zona central, com a qual o presidente Reagan tinha laços, e isso fez que esta mudança tivesse ainda mais valor e significado para nós.
O nosso Presidente irá celebrar o Dia de Portugal nos Estados Unidos. Mas a última vez que um presidente americano visitou o país foi em 2010 no âmbito de uma cimeira da NATO. Há alguma hipótese de o presidente Trump visitar Portugal numa viagem à Europa?
Penso que vai ser difícil. Tive uma reunião com o secretário Tillerson antes de me ter vindo embora e perguntei-lhe como é que conseguiríamos trazê-lo a Portugal, e respondeu-me que ele próprio viria a Portugal. Portanto, penso que há muito interesse, a um nível muito elevado do governo dos EUA. O presidente Trump centra o seu interesse nas visitas a lugares onde poderão existir problemas e onde há necessidades. Esta relação com Portugal está a correr tão bem que é capaz de não haver um imperativo. Mas tentarei, gostaria muito, acho que seria ótimo, falei com membros da família Trump e penso que há aí algum interesse. Não deixarei de tentar, mas prever a agenda do presidente Trump está fora do meu conhecimento.
Mas há uma probabilidade com o secretário Tillerson?
Falei com pessoas ao nível da Secretaria de Estado e existe interesse. Vamos lá ver, se a Madonna gosta de cá estar, o secretário Tillerson também vai gostar [risos].
Pode falar-me um pouco sobre a sua anterior experiência em Portugal, as férias com a sua mulher em 2014?
Essa foi uma viagem muito pessoal. Nós somos católicos, somos espirituais, viemos por causa de Fátima. Viajámos desde Lisboa até Santiago de Compostela e visitámos tudo no meio, passámos muito tempo no Porto, subimos o Douro, temos um amigo muito chegado que escreve para a Wine Spectator, Matt Kramer, e passámos algum tempo com ele. Ele estava a escrever sobre os vinhos portugueses e, mais tarde nesse ano, penso que seis dos dez melhores vinhos do mundo foram portugueses. Tenho de lhe dar o crédito por muito desse reconhecimento, por ter divulgado isso ao mundo. Tudo o que vimos nos cativou, não foi só a hospitalidade. Era um tempo difícil e nós vimos várias vezes pessoas com dificuldades a ajudar outras. Nós vivemos vidas muito privadas e isto é uma grande mudança, passar para aquilo que é uma vida muito pública. Admiramos verdadeiramente o calor e a capacidade de ajudar o próximo, gostamos muito de cá estar e tanto a Mary como eu estamos a viver os melhores momentos das nossas vidas. Os meus pais estão connosco agora, passámos o Natal com o nosso filho mais novo e estou ansioso por trazer o resto da família.
Com os Estados Unidos fora do Campeonato do Mundo na Rússia, Portugal irá ser a sua seleção?
Com certeza. A verdade é que, quando os EUA vieram jogar a Portugal, o representante da equipa americana veio ter comigo e estivemos a falar, ele estava muito desapontado por não nos termos qualificado. Eu estive no jogo entre Portugal e a Suíça em que Portugal se classificou para ir à fase final com as cores da seleção. Não sei se consigo ser um líder de claque tão animado como foi o meu antecessor, mas estou entusiasmado. A verdadeira questão é que toda a gente está sempre a tentar convencer-me a ser adepto do Sporting ou do Benfica e já cheguei à conclusão de que, seja qual for a escolha, vou ter sempre 50% das pessoas a gostarem de mim e os outros 50% a não gostarem, portanto estou a tentar evitar essa escolha.