As ratazanas de Geldof tomaram Vilar de Mouros
Os dados estão lançados: em 2018, o festival de música mais antigo do país decorrerá de 23 a 25 de agosto. As datas foram avançadas pela organização nas primeiras horas de domingo. Numa conferência de imprensa que contou com a presença do autarca de Caminha, Miguel Alves, foi reafirmada a "aposta" no evento, bem como nas linhas gerais da programação. Diogo Marques, um dos organizadores, prometeu revelar em breve os primeiros nomes para 2018 e lamentou que neste ano, devido a problemas de saúde de artistas, tenham sido cancelados dois espetáculos, o que teve como consequência o atraso na comunicação do cartaz ao público. A ideia de um festival intergeracional, para avós, pais e netos, foi reiterada. "Vimos muitos carrinhos de bebés, é mais uma geração que aí está. Vilar de Mouros tem futuro." Renascido das cinzas após interregnos vários, o festival esteve longe de registar enchentes como noutros anos - para não se dizer que esteve à míngua de espectadores, em especial no segundo dia -, mas a organização mostrou-se satisfeita e garantiu que passaram 26 mil pessoas pelo recinto durante os três dias.
As contas que ficam para quem por ali esteve são outras, são sobre os concertos que vão perdurar na memória. Ao contrário do que está estabelecido em festivais como o Primavera, Paredes de Coura, Alive ou SBSR, por ali há um único palco em funcionamento, o que limita a oferta em quantidade. Se a qualidade imperar, não é negativo. E assim foi, com Jesus and Mary Chain e Primal Scream, Salvador Sobral, Peter Bjorn and John e Dandy Warhols e, na derradeira noite, Psychedelic Furs, Morcheeba e Boomtown Rats.
"Vilárdemourox! Nós somos Boomtown Rats! Nós somos mega!", assegurava Bob Geldof quando tinha o público pelo colarinho. Bastava dizer qualquer coisa em português e aquele derretia-se perante a ratazana-mor. "Eu estou vestindo um megafato de leopardo", não fossem os mais distraídos passar ao lado das suas vestes. Para de seguida lançar a estocada ao guitarrista: "Garry [Roberts] vestido de megacowboy shit." Antes, Geldof e o seu grupo reativado em 2013 já tinham pintado a manta em apenas quatro temas. Após a introdução em vídeo com o tema homónimo da banda, arrancaram para um show de rock como não se vira naquele palco. A presença e o carisma do mentor do projeto Live Aid vale por vários. Geldof é Geldof, claro, mas tal como encarnou a personagem Pink no filme Pink Floyd: The Wall, o cantor desdobra-se por várias personas, ora fazendo lembrar outros grandes nomes como Mick Jagger ou David Bowie (sempre ele, mais tarde os Morcheeba iriam tocar Let"s Dance, e aos Psychedelic Furs nota-se à légua a influência) ora evocando John Lee Hooker.
Com músicos da formação original, de 1977, como o já mencionado Roberts, o baixista Pete Briquette e o baterista Simon Crowe, mas também com sangue mais novo, como o do guitarrista Darren Beale (com quem Geldof, a tocar harmónica, fez um duelo de joelhos), os Boomtown Rats são capazes de converter qualquer um à sua música e ao rock em geral. No final, quando acabaram o concerto a tocar o tema homónimo (desta vez tocado ao vivo), Geldof pôs o público aos saltos e a gritar pelo nome do grupo. Que ali granjeou centenas ou milhares de novos fãs, não se duvide.
Já os Psychedelic Furs, que contavam na assistência com muitas cabeças calvas ou grisalhas a recitar as letras, não terão chamado ao seu púlpito mais do que os fãs. Os irmãos Butler e demais elementos vivem das digressões desde o início do século, quando o grupo se reuniu. Temas novos, nem pensar: Pretty in Pink, Dumb Waiters ou Heartbreak Beat, por exemplo, foram tocados numa viagem no tempo que envelheceu bem. O som característico do grupo cativa - assim como a voz de Richard -, mas depois dos retumbantes Rats, do deliciosamente excessivo Geldof, sabe a chá de tília depois de uma injeção de adrenalina.
Antes de os 2manydjs passarem música para os resistentes, os Morcheeba (ou melhor, a vocalista Skye Edwards) mostraram que um grupo de segunda linha pode entreter - foi esse precisamente o termo usado por Skye - tão bem o público quanto os nomes maiores que o antecederam. Graças à irresistivelmente melosa voz e à empatia que exerce, e também aos sucessos que todos reconhecem como The World Looking in, The Sea, ou Rome Wasn"t Built in a Day (durante o tema um espectador subiu ao palco e dançou com Skye), o grupo inglês espalhou boa disposição.