As quadraturas de Montenegro

Publicado a

Apesar de um congresso despido de oposição interna, sem qualquer discurso contra, e de votações quase albanesas em moções e indicações, Luís Montenegro não se desobrigou de uma exigente prova de ginástica política no seu fim de semana de consagração. Para dentro, na abertura, fez questão de entrar lado a lado com Rui Rio e de nunca ‒ em circunstância alguma ‒ atacar os quatro anos de liderança do seu antecessor. Ao congresso, Montenegro trouxe um projeto político diferente de Rio, mas não contra Rio. Isso sentiu-se na manutenção do Conselho Estratégico Nacional, no convite a Joaquim Sarmento para líder parlamentar e na preservação de compromissos que Rio houvesse estabelecido com António Costa no que concerne ao novo aeroporto. "O presidente do PSD muda, mas o PSD é o mesmo", disse Montenegro. O congresso ronronou perante a amenidade, indispensável para se sair do Porto com uma coesão digna desse nome.

Montenegro citou Cavaco Silva (grão-crítico de Rio), defendeu os militantes (que Rio tanto enxovalhou), desresponsabilizou os eleitores (que Rio nunca perdoou por não lhe terem dado uma vitória) e não resistiu a fazer toda a oposição que Rio nunca quis fazer, desde 2018, aos incêndios, às cativações e à "geringonça". Mas nunca, em todo o congresso, apontou armas ao homem que por duas vezes o derrotara pela liderança do PSD.

Ir ao púlpito destruir o rioísmo, por mais apetecível que fosse, teria impossibilitado o primeiro dos objetivos do congresso: a aparência de unidade. E Luís Montenegro deu-lhe prioridade por duas ordens de razão. Primeira: para, fazendo uso do resultado esmagador contra Jorge Moreira da Silva, alicerçar uma coesão no PSD que contraste com as divisões expostas no seio da maioria absoluta do PS. Segunda: porque, para pôr em prática o estilo de oposição continuada que Montenegro favorece, precisa de se proteger internamente do desgaste que ela inevitavelmente provocará.

Unidade foi muito mais do que a palavra de ordem do congresso. Foi, ao contrário da "abertura", falada mas por ver, parte de uma estratégia delineada no tempo e no espaço em que Montenegro agora manda: o seu partido.

As escolhas do novo líder para os seus órgãos nacionais refletiram essa preocupação. Incluir Paulo Rangel e Miguel Pinto Luz, ambos ex-concorrentes de Montenegro, na mesma direção. Convidar Carlos Moedas, que ainda há dias recusava dizer onde estaria em vésperas de legislativas, para encabeçar o Conselho Nacional. Tentar integrar Moreira da Silva, que se pôs de parte tanto da inclusão como da contestação. Tudo isso foram sinais de uma cautela significativa de Luís Montenegro não apenas com o passado (Rio), como com o futuro.

Até 2026, o ano que se colocou à frente do nome do líder enquanto encerrava o congresso ("Luís Montenegro ‒ 2026"), faltam duas eleições internas, europeias, regionais, autárquicas, presidenciais e um possível referendo. Se a sala de espera para o poder que Rui Rio inaugurou no PSD estará ou não disponível para Montenegro, é um mistério que só o tempo resolverá. E o tempo, até 2026, até às legislativas, será longo. A procura de unidade neste congresso não foi mais do que a forja de um escudo para aí chegar. Uma tentativa, se quisermos, de manter a máquina de triturar líderes adormecida. E o PSD desperto.

Para fora, coincidentemente, a ginástica repetiu-se. O PSD saiu do Porto com uma nova direção, mas Luís Montenegro não saiu do congresso com uma posição definida sobre a localização do novo aeroporto ou sobre a regionalização. Anunciou-se contra o agendamento do referendo, evitando perturbar o congresso com algo que o dividiria, mas incentivando o PS e o Chega a tomarem o tema como seu. Afirmou-se disponível para conversações com Costa sobre o aeroporto, mas não revelou que solução privilegia.

Este ciclo político será irremediavelmente marcado por esse jogo de forças, entre responsabilizar o Partido Socialista, que tem uma maioria absoluta, e correr o risco de faltar por omissão a temas que importam à vida dos portugueses.

Se fosse fácil, seria para todos.

Será para Luís Montenegro?

Colunista

Diário de Notícias
www.dn.pt