As prisões portuguesas a cores e a preto e branco

"Quem é que já viu uma prisão do lado de dentro?" Um português e um suíço visitaram sete cadeias portuguesas e reúnem agora 105 imagens numa exposição no Centro Português de Fotografia, instalado numa antiga cadeia do Porto. A mostra exibe ainda fotos de arquivo de cadeias nacionais
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São 105 imagens do interior de prisões portuguesas pelo olhar de dois fotógrafos, um português, Luís Barbosa, e um suíço, Peter Schulthess. São perspetivas diferentes, a nacional a preto e branco, mais emotiva; a helvética a cores e mais espacial. No conjunto fica a exposição The Portuguese Prison Photo Project, uma visão contemporânea de sete prisões em Portugal, incluindo a maior (1300 reclusos) e mais antiga, a de Lisboa, e a mais recente, de 2004, a Carregueira.

Está patente, até 3 de dezembro, no Centro Português de Fotografia (CPF), no Porto, localizado na antiga Cadeira da Relação, uma combinação perfeita. A ideia partiu de Daniel Fink, investigador sobre estatísticas criminais e autor de um livro sobre a história do sistema prisional suíço. Foi durante uma conferência realizada no Porto que visitou a antiga Cadeia da Relação. No interior do edifício do século XVIII, o suíço que já integrou o Comité Internacional da Cruz Vermelha teve a ideia. "Esta é uma antiga prisão, tem um museu de fotografia que é arquivo nacional, porque não fazer um projeto com fotos de prisões portuguesas?", contou ao DN.

Como conhecia bem Peter Schulthess, com quem tinha feito o livro, já tinha um dos fotógrafos. E acrescentou a ideia de uma conferência, a realizar a 12 e 13 de outubro, para comparar os sistemas português e europeu e concretamente os casos dos dois países. "A Suíça tem 120 prisões para seis mil reclusos, Portugal tem 51 para mais de 12 mil. Há enormes diferenças no tamanho das cadeias e no número de condenados."

O diretor do CPF, Bernardino Castro, viu o livro sobre as prisões suíças e gostou da ideia. Luís Fonseca foi o português escolhido para o projeto que necessitava do aval da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais. O plano inicial previa imagens de 12 prisões, mas só sete foram autorizadas.

Luís Barbosa, fotógrafo e formador de fotografia, partiu como um estreante, nunca tinha entrado numa prisão. "Temos muitos estereótipos sobre prisões, do cinema e da televisão. São as grades, as tatuagens, os olhares. Entrei sem um plano definido, queria funcionar de forma instintiva. Por isso não usei tripé, foi sempre de câmara na mão", explicou. Esteve em três estabelecimentos prisionais, um para jovens em Leiria, o da Guarda e o de Viseu, um dos mais pequenos mas dos mais sobrelotados.

"É um mundo escondido e privilegiei a surpresa e a emotividade." O preto e branco das suas imagens contrasta, de forma evidente, com as cores de Peter Schulthess. O suíço é mais velho, nasceu em 1966 (Luís em 1975) e é especializado em fotografia de arquitetura, tendo já captado imagens em dezenas de prisões na Suíça e na Alemanha. Durante a montagem da exposição, teve de ausentar-se devido à morte de um familiar e não esteve neste encontro com o DN. "O Peter tem a escola germânica, com enquadramento rigoroso, objetivo. As fotos dele permitem a visita ao espaço físico, com arquitetura, cores. Sempre trabalhei com o preto e branco, foi normal ter seguido por essa via. Foi natural, não foi uma escolha nossa a pensar na exposição", diz Luís.

Peter Schulthess opta também por formatos maiores das imagens feitas nas prisões de Carregueira, Lisboa, Izeda e na feminina de Santa Cruz do Bispo. Para reforçar o conceito, as molduras são em metal, como as grades. Com as sete, os autores consideram ter um bom resumo das cadeias portuguesas, entre as mais pequenas no interior do país, as grandes em Lisboa, a de jovens e a feminina. Enquanto Peter Schulthess se assumiu quase como um visitante, com fotos de diversos locais, desde o gabinete do diretor aos beliches nas celas, Luís Barbosa fixou-se em momentos, "numa abordagem mais filosófica, mais de emoções". No catálogo da exposição o suíço confessa que foi uma aventura fotografar em Portugal. "Este projeto foi um passo para um mundo desconhecido, num país que eu nunca tinha visitado. Por isso me questionei: o que é que eu vou ver? O que poderei fotografar? O que vou poder mostrar?"

Nem tudo esteve disponível para os fotógrafos. Os tempos de trabalho em cada prisão foram limitados, entre setembro de 2016 e janeiro passado, sempre acompanhados por guardas prisionais. Os reclusos reagiram "com algum receio", admite Luís, mas de "forma positiva".

A mostra tem ainda uma sala com fotos de arquivo das prisões portuguesas, selecionadas por Maria José Moutinho Santos, especialista em história das prisões. "Estamos numa prisão e à ideia da fotografia contemporânea tínhamos de juntar a vertente arquivo", disse Bernardino Castro. As fotos foram tiradas entre 1876 e 1974 e escolhidas num universo de centenas dos diversos arquivos públicos

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