As preocupações da vida real dominam a linguagem universal do design
Novo Mundo - Visões através da Bienal Ibero-Americana de Diseño. 2008-2016 é um nome tão longo como explicativo sobre a seleção de soluções (produtos e ideias) que passaram pelo encontro de design organizado pela Fundação Desenho Madrid que se pode ver até 6 de agosto no Palácio dos Condes da Calheta, Jardim-Museu Agrícola Tropical, em Belém, nesta exposição do MUDE - Museu do Design e da Moda, fora de portas, enquanto continuam as obras de requalificação na antiga sede do BNU, na Rua Augusta, em Lisboa.
Podem ser cartazes - com mensagens políticas e sociais - como aqueles que abrem a exposição, mas podem ser também os tecidos criados com artesãs, cujo nome aparece nos créditos ao lado do designer, o tratamento infográfico de dados estatísticos do português Pedro Miguel Cruz sobre os políticos que transitam para empresas privadas ou as capas de Vera Tavares para os livros da editora Tinta-da-China. Ao todo, são 124 obras oriundas "deste conceito geopolítico a que chamamos espaço ibero-americano", como descreve Bárbara Coutinho, diretora do museu português e curadora da exposição. "Todas elas foram apresentadas ao longo das cinco bienais ibero-americanas do design", refere .
Bárbara Coutinho, também membro do comité da BID, fala em primeiro lugar como diretora do MUDE sobre este lugar que acolhe a exposição. "Dentro da lógica de parcerias e descoberta de património da nossa cidade, começámos à procura de um lugar que fizesse sentido para albergar a programação que desenhámos especificamente para Lisboa Capital Ibero-Americana", contextualiza.
Esta é a primeira de três exposições que acontecem no Palácio dos Condes da Calheta. Seguem-se Como se Pronuncia Design em Português: Brasil Hoje, a partir de 23 de setembro, e Tanto Mar. Fluxos Transatlânticos pelo Design, a começar a 27 de janeiro. "Vamos do geral para o particular. A última faz o triângulo Portugal, África, Brasil."
"Fomos bater à porta da Universidade de Lisboa, que se mostrou muito recetiva e com a qual assinámos um protocolo para nos deixar estar aqui." A instituição tutela desde 2015 o Instituto de Investigação Científica e Tropical, de que faz parte este Jardim-Museu Agrícola Tropical. "Achei bastante interessante, pela sua história, pelo seu significado em termos arquitetónicos, mas também políticos, culturais e ideológicos", observa Bárbara Coutinho, bastando-lhe olhar em frente, no átrio, para encontrar provas das suas palavras. "Refiro que estes dois altos-relevos são desenhados para a exposição do Mundo Português [1940]." E não só. "O acervo que está neste palácio resulta de muitas investigações, expedições científicas, como se chamava na altura, aos países do ultramar, tentando recolher o máximo das culturas autóctones, a caracterização dos seus habitantes e as suas riquezas materiais. Tem muitos artefactos, utensílios..."
Sobre a porta de entrada ainda se lê: Museu Agrícola do Ultramar e percorrendo as salas do palácio esbarra-se com estantes que guardam pastas com amostras de folhas de árvores e passa-se pela xiloteca - uma biblioteca de madeiras recolhidas em territórios africanos. Tudo isso e a arquitetura palaciana dos séculos XVII e XVIII. "Interviemos o menos possível", garante a diretora.
O desenho expositivo é do ateliermob, que tem trabalhado a arquitetura em processos participativos (como vários designers aqui representados) e "pretende falar desta diversidade e pluralidade que sentimos".
O comité científico inclui representantes de Portugal e Espanha, mas também do Brasil, Chile, Venezuela ou Peru. "O repto era olhar para estes cinco anos, a herança da BID, e destacar os produtos, aplicações, serviços, ações, ideias que no século XXI têm posto a tónica numa ideia de design participativo e colaborativo. Os denominadores comuns são o multiculturalismo, é um design que procura acentuar a consciencialização política e cívica", nota a diretora e curadora, sublinhando que todos os países agem de forma distinta.
"A realidade é tão feita de extremos, de violência, de corrupção, de violência urbana. Aquilo que se sente aqui é uma ação muito direta, concreta, em relação à vida das pessoas e à consciência de cada país", reflete Bárbara Coutinho, fazendo uma ligação direta entre os debates de hoje em torno de refugiados e emigração. "É um reforço dessa tomada de consciência de nós enquanto cidadãos do mundo. Aqui se sente que o design é uma linguagem universal", continua. E por isso a única obra que nunca esteve na BID é de Pedro Miguel Cruz, um designer que tem trabalhado a forma de mostrar dados. Logo à entrada, no ecrã, passa Visualizing Empires Decline - Revisited, em que se mostra a evolução dos impérios britânico, espanhol e português desde o século XVIII.