Como se sabe - e há uma extensa literatura académica sobre o assunto - o que define o nosso carácter não são os princípios declarados, mas as escolhas concretas que fazemos no dia-a-dia. São estas escolhas que revelam as nossas verdadeiras preferências. E por isso a literatura as designa por preferências reveladas, em oposição às preferências declaradas..As decisões políticas - como é exemplo a recente aprovação do Orçamento do Estado - são oportunidades importantes para se confrontarem as preferências reveladas pelos decisores políticos, nas escolhas que consubstanciam aquelas decisões, com as que declaram nas suas grandes proclamações retóricas..Um caso paradigmático foi a aprovação, no Orçamento, do aumento da imposição fiscal sobre lucros acima dos 35 milhões de euros, basicamente fundada no preconceito ideológico de que o lucro é socialmente danoso (a velha reminiscência da mais-valia marxista). E, se o lucro é socialmente danoso, quanto mais lucro uma empresa tiver, mais danosa é para a sociedade..Vejamos dois exemplos: a empresa A dispõe de um capital de dois milhões de euros e realiza um lucro anual de um milhão, enquanto a empresa B tem um capital de 500 milhões de euros e realiza um lucro anual de 50 milhões. Qual é mais rentável? Qual extrai maior mais-valia dos seus trabalhadores? A empresa B, que apresenta uma taxa de rentabilidade de 10%, ou a empresa A, com uma taxa de 50%? É óbvio, para quem souber fazer contas, que é a empresa A..O que move o preconceito ideológico contra a empresa B é que tem muito mais capital investido. Não se trata de investimento em offshores, é capital produtivo, que cria empregos e rendimento e paga mais impostos do que a A. E que, muito provavelmente, tem muitos mais trabalhadores, mais qualificados e mais bem pagos do que a empresa A..Apesar disso, a maioria resolveu criar-lhe uma penalização fiscal, sinalizando aos investidores que o investimento só em bem-vindo se for em pequenas empresas ou em grandes empresas que sejam pouco rentáveis..Que implicações é que este sinal das preferências dos decisores políticos tem para a economia? Em primeiro lugar, afasta o investimento estrangeiro, de que o país muito precisa. Tirando os oportunismos dos vistos gold, nenhum investidor estrangeiro, digno de nota, investe tickets baixos, e se o fizer será em investimentos estruturalmente irrelevantes..Em segundo lugar, estimula-se a deslocalização das grandes empresas, ou, pelo menos, da sua principal fonte de registo de lucros (com efectiva perda fiscal). Além de que a punção fiscal embaratece-as, favorecendo a sua aquisição por empresas estrangeiras, desviando de Portugal as funções qualificadas, e deixando no país os serviços (dependentes de um centro exterior) apenas essenciais ao aproveitamento do mercado local e baseado nas funções menos bem remuneradas. Além da perda fiscal directa, induz perda de emprego qualificado..Em terceiro lugar, e uma vez que a globalização económica - realidade incontornável, independentemente das preferências dos decisores - favorece as empresas com elevada capacidade de escala e, portanto, de grande ou média dimensão, previne-se que em Portugal possam desenvolver-se empresas com escala suficiente para serem relevantes no mercado global, remetendo a economia portuguesa para um estatuto periférico e dependente na economia global (não pela localização, mas pela estrutura económica)..Em quarto lugar, a intensidade de capital (stock de capital por trabalhador) é um importante factor de produtividade. Portugal, como se sabe, já tem uma produtividade relativamente baixa - cerca de 60% da média dos 15 países de referência da UE (EU15), mesmo comparando em paridades de poderes de compra - e a mais baixa intensidade de capital (deste grupo). A medida, por conseguinte, é desincentivadora do aumento desta intensidade e, portanto, do aumento da produtividade..Por fim, estimula-se uma economia baseada em pequenas e micro- empresas, que Portugal já tem até de mais. As microempresas ocupavam, em 2015, 45% do emprego e as pequenas 21%, pelo que dois terços do emprego já está em empresas com menos de 50 trabalhadores. E estas são as empresas onde predominam os mais baixos salários. A remuneração média nas micro-empresas, por exemplo, era, naquela data, pouco mais de metade da média do restante universo. Não surpreendentemente, portanto, a produtividade média deste segmento empresarial que, insisto, emprega quase metade dos trabalhadores é de um terço da média dos restantes segmentos..Por tudo isto, e resumindo, é possível identificar as preferências sobre a estrutura desejada da economia, reveladas pela maioria de esquerda que aprovou esta medida fiscal. E essas preferências são de que Portugal mantenha uma produtividade baixa, tenha um modelo de produção assente em baixos salários e se torne uma economia periférica e dependente. Quem diria?!